Mineração de urânio no Brasil: regulação e novas oportunidades

Um dos desafios prementes da atualidade reside na busca pela sustentabilidade na exploração de recursos não renováveis, com destaque para os setores de energia e mineração. A transição energética, amplamente reconhecida como urgente e inevitável, demanda a substituição das fontes de energia poluentes por alternativas de baixa intensidade em carbono, em consonância com a nova realidade imposta pela crise climática global.

Nesse contexto, a energia nuclear, que antes era refém de uma resistência marcada pelo receio de acidentes e pelos dilemas envolvendo a gestão de resíduos radioativos, retorna ao centro das discussões sobre energia aliada a processos de descarbonização.

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A exemplo disso, na Cúpula Mundial de Ação Climática da COP28, 22 países, dentre os quais França, Suécia e Reino Unido, assinaram um compromisso de triplicar a capacidade nuclear até 2050, com o objetivo de alcançar emissões líquidas zero de gases de efeito estufa e de atingir a neutralidade de carbono ao longo da segunda metade deste século.

Embora a energia nuclear seja frequentemente considerada uma fonte limpa, devido à baixa emissão de gases de efeito estufa a partir de seu uso direto, sua cadeia produtiva – em especial a prospecção e a extração de urânio – não pode ser classificada como renovável.

O urânio, mineral essencial para a produção de energia nuclear, é um recurso finito, cuja exploração apresenta riscos ambientais significativos que não podem ser ignorados. A extração desse mineral envolve desafios complexos, com impactos ao meio ambiente que exigem uma abordagem cuidadosa e responsável, sobretudo no que concerne à gestão dos resíduos atômicos e ao potencial de contaminação ambiental e de pessoas.

Apesar dessa faceta, é fato que há uma crescente demanda por urânio, gerando reflexos significativos na geopolítica global. Conforme narra a recente matéria do Financial Times[1], o Cazaquistão, maior exportador mundial do mineral, tem abastecido principalmente os reatores russos e chineses, resultando em uma oferta cada vez mais escassa para os Estados Unidos e os países europeus. No Níger, embora o país seja responsável por 5% da produção mundial de urânio, não houve exportação do mineral em 2024.

Esse cenário de crescente demanda por energia nuclear, aliado à ampliação da lacuna no fornecimento, redireciona a atenção para o Brasil, que se destaca por possuir abundantes reservas do mineral. Estima-se que o Brasil detenha 232.813 toneladas de urânio, concentradas principalmente nos estados da Bahia e Ceará. No entanto, esses números podem ser ainda mais significativos, considerando que apenas um terço do território nacional foi efetivamente explorado na busca por minerais.

Atualmente, a única mina de urânio em operação no Brasil localiza-se em Caetité, na Bahia, sob a gestão das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Essa mina está situada na província uranífera de Lagoa Real, que contém reservas estimadas em 87 mil toneladas de urânio, distribuídas por 17 depósitos. Apesar da exploração em Caetité, o Brasil ainda depende da importação da maior parte dos insumos necessários à produção do combustível nuclear utilizado nas usinas de Angra I e II.

A explicação para esse número reduzido de plantas no Brasil está na existência de um monopólio da União, conforme determina a Constituição Federal e legislações complementares. O monopólio abrange todas as atividades relacionadas à pesquisa, extração, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comercialização de minerais nucleares e seus derivados.

Além disso, a União é responsável pela construção e operação de instalações para tratamento, beneficiamento, conversão e enriquecimento desses materiais, assim como pela negociação e comercialização de bens e serviços relacionados.

O monopólio da União sobre as atividades nucleares é gerido pela INB, empresa estatal fundada em 1988 com a missão de supervisionar a produção e comercialização de minérios nucleares. A companhia atua de maneira abrangente em diversas fases do processo, que englobam a extração e o beneficiamento de urânio, o enriquecimento isotópico, a fabricação de pastilhas e pó de dióxido de urânio, além da montagem do elemento combustível utilizado nas usinas nucleares brasileiras responsáveis pela geração de energia elétrica.

Entretanto, a recente flexibilização desse monopólio passou a despertar o interesse de investidores privados na extração de urânio no país, colocando o Brasil em um papel de relevância considerando sua capacidade.

A edição da Lei 14.514, em 2022, marcou esse cenário de mudança significativa no monopólio da União sobre a mineração de urânio e outros minerais nucleares. Essas alterações podem ser compreendidas sob dois aspectos fundamentais: primeiro, a nova possibilidade de estabelecer parcerias com empresas privadas, permitindo maior flexibilidade e atração de investimentos no setor; e segundo, a abordagem das descobertas de minerais nucleares associadas a outros minerais, em áreas já concedidas a terceiros, o que amplia as oportunidades de exploração e aproveitamento de recursos em concessões previamente outorgadas.

No primeiro aspecto, a flexibilização do monopólio permite que qualquer uma das atividades mencionadas anteriormente seja realizada por meio de parcerias com empresas privadas. Nessas colaborações, a remuneração do parceiro privado pode ocorrer de diversas maneiras, tais como:

  1. pagamento em espécie;
  2. atribuição de uma porcentagem sobre o valor obtido com a comercialização do produto extraído;
  3. concessão do direito de comercializar o minério extraído;
  4. direito de aquisição do produto da extração, com exportação previamente autorizada; e
  5. outras formas estabelecidas contratualmente (Lei 14.514/2022, artigo 4º).

Apesar da alteração normativa, permanece pendente a regulamentação da lei, que deve estabelecer os procedimentos para a operacionalização das relações jurídicas entre a INB e as empresas privadas. Ao que se sabe, essa regulamentação está sendo conduzida no âmbito do Ministério de Minas e Energia. Até lá, a INB já demonstrou seu compromisso em avançar com as parcerias junto ao setor privado, respaldado na própria Lei.

No segundo aspecto, até a promulgação da Lei 14.514/2022, caso um particular identificasse reservas de minérios nucleares, mesmo que associadas a minérios não nucleares, o direito minerário sobre essas reservas deveria ser transferido à INB, em razão do monopólio da União sobre esses recursos. Essa dinâmica desestimulava a comunicação das descobertas de urânio à INB, uma vez que os proprietários das reservas poderiam relutar em reportar tais achados, receosos de perderem o direito sobre os minerais.

Com as recentes alterações, após a obrigatória comunicação da ocorrência de mineral nuclear à Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), à Agência Nacional de Mineração (ANM) e à INB, esta última será responsável por realizar estudos de viabilidade técnica e econômica do depósito mineral. O objetivo será avaliar se o potencial econômico dos elementos nucleares encontrados é superior ou inferior ao das demais substâncias minerais presentes no local.

Caso o potencial econômico dos elementos nucleares seja superior, o aproveitamento das substâncias minerais só poderá ocorrer mediante:

  1. associação entre a INB e o titular da concessão de lavra, com o controle da INB sobre a exploração dos elementos nucleares, ou
  2. (encampação do direito minerário pela INB, com o pagamento de indenização prévia ao titular da concessão (Lei 14.514/2022, art. 8º, § 2º).

Na hipótese contrária, ou seja, quando o potencial econômico dos elementos nucleares encontrados for inferior ao das demais substâncias minerais, o direito minerário permanecerá com o titular original. As partes deverão então estabelecer a forma de disponibilização ou entrega à INB do elemento nuclear contido no minério extraído, conforme o disposto em regulamento (Lei nº 14.514/2022, artigo 8º, § 5º, inciso I). Nesse cenário, caso a disponibilização ou entrega à INB implique despesas adicionais, o titular da concessão de lavra poderá ser remunerado pela estatal.

Cabe destacar que, mesmo com a alteração da legislação, ainda há um caminho a ser percorrido para garantir maior segurança jurídica aos parceiros privados na mineração de elementos nucleares. A regulamentação da Lei 14.514/2022, por meio de atos infralegais, e a priorização política conferida pelas instituições envolvidas, mediante ações que estimulem esse tipo de parceria, são algumas dessas medidas.

A atual paralisia da ANSN[2], que ainda não se encontra integralmente constituída em virtude da morosidade de indicação/aprovação de seu primeiro diretor-presidente, é sintomática da importância da priorização política, pelo governo, para que mudanças legais se reverberem efetivamente na prática empresarial.

Apesar disso, é inegável que a mudança já abriu caminho para essas parcerias, que parecem ser de grande interesse da INB, uma empresa plenamente consciente das potencialidades do Brasil. Em 2024, a estatal anunciou oficialmente sua intenção de captar R$ 70 bilhões nos próximos 15 anos para financiar quatro projetos de extração de urânio. A previsão é que esses projetos sejam ofertados ao mercado já em 2025[3].

O cenário é promissor, e as expectativas são altas para a expansão e o aproveitamento da capacidade do Brasil, com o objetivo de posicionar o país como um player relevante no mercado global de minérios nucleares.


[1] Disponível em: https://www.ft.com/content/d0faf091-50b4-4878-ae08-ea6dc07db993

[2] O TCU, no Acórdão nº 426/2025 de 26/02/2025, identificou riscos institucionais na estruturação da ANSN, criada em 2021 para fiscalizar a segurança nuclear no Brasil. Segundo relatório da corte, o atraso na nomeação da diretoria compromete o funcionamento da autarquia.

[3] Disponível em: https://www.inb.gov.br/Detalhe/Conteudo/presidente-da-inb-anuncia-novos-negocios-que-injetarao-r-70-bilhoes-na-estatal/Origem/378

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