As decisões antecipatórias de tutela em ações de guarda e convivência

A tutela de urgência, em especial a tutela antecipada, é instrumento essencial no direito processual civil, prevista nos artigos 300 e seguintes da Lei 13.105/2015 (CPC). Especificamente em ações de guarda e convivência de menores e adolescentes, tal medida permite ao Juízo conduzir o processo com segurança ao bem-estar dos menores até a prolação da sentença, evitando danos irreparáveis às famílias.

A falta de uma decisão imediata pode expor a criança e o adolescente a riscos emocionais, psicológicos e até físicos. Assim, o Poder Judiciário tem o dever de agir com celeridade, assegurando a proteção integral do menor conforme expresso no artigo 227 da Constituição Federal e nos artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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Neste artigo, destaca-se a importância das decisões antecipatórias, os requisitos para sua concessão e exemplos práticos de sua aplicação nas ações de guarda e convivência.

A tutela antecipada e seu papel na proteção da criança e do adolescente

Como consta da previsão legal, a tutela de urgência, mormente a tutela antecipada, poderá ser concedida sempre que estiverem presentes três requisitos fundamentais: (i) probabilidade do direito, isto é, o requerente deve demonstrar que possui um direito plausível e que há fortes indícios de que seu pedido será reconhecido ao final do processo; (iii) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, ou seja, deve haver a possibilidade de que a demora na decisão cause prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação; e (iii) irreversibilidade da medida, que significa dizer que “o objetivo é evitar o estabelecimento de uma situação fática definitiva.”[1] A tutela antecipada pode ainda ser concedida liminarmente (antes mesmo da outra parte se manifestar) ou após a análise inicial do processo.

No contexto das ações de guarda e convivência, a antecipação de tutela garante que a criança (ou adolescente) não fique exposta a situações de risco enquanto a disputa judicial se desenrola. Em outras palavras, defende-se que o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo seja considerado como presumido em ações de guarda e convivência justamente porque a ausência de estabelecimento concreto da rotina e da segurança infanto-juvenil é contrária ao princípio primordial a guiar o Poder Judiciário, qual seja, o melhor interesse do menor.

O Superior Tribunal de Justiça, a exemplo, reafirma que “O Estatuto da Criança e do Adolescente tutela interesses, direitos e garantias de vulneráveis, elegendo, como princípio primordial a guiar suas relações, o do melhor interesse do menor. Portanto, as normas contidas nesse diploma legal são especiais, prevalecendo em face das regras gerais, desde que sejam observadas as particularidades de cada caso concreto.”[2]

Acerca da irreversibilidade da medida, como bem reconhecido pelo Enunciado 419, do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “Não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória com efeitos irreversíveis.” No caso de crianças e adolescentes, a vida pulsa e a construção das relações são infinitamente mais dinâmicas. Por conseguinte, a prolação de uma decisão antecipatória para resguardar o fixar provisório da vida dessas crianças e adolescentes é imperativo social.

A responsabilidade do Judiciário na concessão da tutela antecipada

Ainda que aparente ser uma conclusão de causa e efeito (isto é, se há uma disputa e foi posto ao Poder Judiciário tal pretensão resistida, deve-se responder às partes), verifica-se um crescente número de decisões que analisam pedidos de tutela de urgência e postergam fixações de guardas provisórias e modelos provisórios de convivência. No entanto, o magistrado tem o dever de garantir que a criança não fique exposta a situações de risco enquanto o processo segue seu curso normal. É que a demora no provimento pode:

  • Violar o princípio da prioridade absoluta (art. 227 da CF).
  • Comprometer a integridade psicológica e emocional da criança.
  • Tornar irreversível a situação de risco ou afastamento afetivo.

Como dito, a Constituição Federal de 1988 assegura a proteção da criança em diversos dispositivos, com destaque para o artigo 227, que determina ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais do menor, incluindo a sua integridade física e psicológica.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) reforça essa proteção nos seguintes artigos:

  • Artigo 3º – Garante à criança e ao adolescente o direito à proteção especial, com respeito à sua dignidade e sem qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
  • Artigo 4º – Estabelece que é dever da família, da comunidade e do Poder Público assegurar a efetivação dos direitos fundamentais com prioridade absoluta.
  • Artigo 5º – Prevê que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punida qualquer ação ou omissão que viole seus direitos.

Em litígios de guarda e convivência, há diversos fatores que podem colocar em risco a integridade do menor, tornando necessária a intervenção do Judiciário por meio de decisões antecipatórias. Alguns dos principais riscos incluem:

  1. Violência doméstica e abuso
  • A convivência com um genitor ou responsável agressor pode representar um risco iminente à integridade da criança. A violência pode ser física, psicológica, sexual ou institucional, sendo essencial que o juiz atue preventivamente para afastar a criança desse ambiente.
  • Omissão judicial: Se o juiz não concede uma tutela antecipada em casos de denúncia de violência, ele pode estar permitindo a perpetuação do abuso e violando os direitos fundamentais do menor.
  • Medidas urgentes: Suspensão imediata da convivência ou imposição de visitas supervisionadas para garantir a segurança da criança.
  1. Negligência e ambiente familiar inadequado
  • A negligência parental também compromete a integridade da criança. A ausência de cuidados básicos, como alimentação, higiene, educação e atendimento médico, pode gerar danos físicos e psicológicos graves.
  • Decisão judicial essencial: A guarda deve ser concedida ao responsável que garanta o melhor ambiente para o desenvolvimento saudável da criança.
  1. Alienação parental e abalos emocionais
  • A alienação parental ocorre quando um dos genitores manipula a criança para afastá-la do outro responsável, prejudicando seu vínculo afetivo. Essa prática pode causar danos psicológicos irreparáveis, como depressão, ansiedade e dificuldades de socialização.
  • Consequências da omissão judicial: A falta de uma decisão rápida pode permitir que a alienação parental se intensifique, tornando mais difícil a reaproximação da criança com o genitor alienado.
  • Medidas urgentes: Adoção de acompanhamento psicológico e imposição de visitas assistidas para garantir a reaproximação gradual.
  1. Mudanças abruptas e instabilidade emocional
  • A demora na definição da guarda e da convivência pode gerar incerteza e insegurança emocional na criança, impactando seu desenvolvimento e bem-estar.
  • Prejuízo da demora judicial: A criança pode desenvolver dificuldades emocionais e comportamentais devido à indefinição sobre seu futuro.
  • Atuação do juiz: A antecipação de tutela pode estabelecer uma rotina estável para o menor enquanto o processo segue seu curso normal.

Em síntese, são exemplos concretos da essencialidade da aplicação da tutela antecipada nas ações de guarda e convivência, a (i) guarda provisória para proteger a criança de riscos imediatos; (ii) alteração da guarda em caso de negligência; e, ainda que mais simples e corriqueiro, (iii) a fixação de convivência imediata com ambos os pais, quer seja para evitar alienação parental, quer seja para proteger a criança da insegurança da vivência em um contexto já tumultuado e indefinido entre os pais e responsáveis.

A antecipação de tutela deve ser utilizada como uma ferramenta de proteção da infância, garantindo que a criança tenha uma solução rápida e eficaz diante de litígios que possam comprometer seu bem-estar.

É possível que o avanço de métodos alternativos de resolução de conflitos sejam os grandes responsáveis pela ausência de manifestação dos Juízos de família (ou pela decisão pela postergação da decisão para após a fase de produção probatória) acerca de pedidos de tutelas provisórias em ações de guarda e convivência.

Não seria por outra razão que o art. 334, do CPC, prevê as audiências de mediação, conciliação como prática prévia também nas ações de família. Entretanto, o direito da criança e do adolescente não pode esperar a cronologia burocrática dos agendamentos de audiências e de oficinas de pais. É preciso chamar para si a responsabilidade de entregar ao jurisdicionado aquilo que lhe foi pedido: resolução!

Conclusão

A concessão de decisões antecipatórias em ações de guarda e convivência não é apenas uma possibilidade, mas uma obrigação do Poder Judiciário para garantir o melhor interesse da criança.

A integridade física e psicológica da criança é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal e pelo ECA. No contexto de ações de guarda e convivência, a proteção desse direito deve ser uma prioridade do Poder Judiciário, uma vez que a demora na tomada de decisões (ou a postergação da decisão) pode expor o menor a riscos irreversíveis, como violência doméstica, abusos, negligência e transtornos emocionais.

A antecipação de tutela nessas ações é um instrumento essencial para garantir que a criança não seja submetida a situações prejudiciais enquanto o processo tramita. O magistrado, ao analisar pedidos urgentes, deve priorizar a segurança e o bem-estar do menor, tomando decisões efetivas, céleres e eficazes para evitar danos às crianças e adolescentes.


[1] SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil – 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 494.

[2] CC n. 149.886/RN, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 25/4/2018, DJe de 2/5/2018.

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