Como mostrar o erro das decisões do STF em sala, sem deslegitimar a Supremo

Em 2004 e 2005, quando o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade de Brasília (UnB), Miguel Godoy, era estudante o ensino da disciplina que hoje ele ministra se limitava à leitura dos artigos da Constituição. O Supremo Tribunal Federal (STF) era citado nas aulas apenas em momentos muito pontuais, como quando havia mudança de composição. Era o primeiro mandato do presidente Lula.

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“Hoje isso mudou, mudou porque o Supremo mudou, e a interpretação e aplicação da Constituição também é outra”, conta em entrevista ao JOTA. “Quem define, sobretudo, a interpretação e aplicação da Constituição é o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal. E aí ele ganha protagonismo, não só como intérprete-guardião da Constituição. Como ele gosta de dizer, é aquele que detém a última palavra”, completa. Uma última palavra bastante relativa, na visão de Godoy.

Como o Supremo assumiu uma centralidade jurídica e política, com ministros se manifestando na televisão, nas rádios, e nas redes sociais, a Corte passou a ser muito mais presente nas aulas de Direito Constitucional. “Os alunos sempre perguntam muito sobre o Supremo. ‘Poxa, professor, mas é possível fazer isso?’”, diz. Neste contexto, o desafio, segundo Godoy, é “mostrar o erro das decisões no mérito, o equívoco na condução do processo, sem deslegitimar a instituição e sem retirar a autoridade dos ministros”.

O professor Miguel Godoy é mais um entrevistado da série do JOTA sobre os desafios de ensinar o Direito Constitucional no Brasil polarizado.

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A série explora com professores renomados como é o ensino e a formação dos futuros operadores do Direito, em um cenário em que a Constituição é não apenas um texto jurídico, mas também um campo de inúmeras disputas sociais.

Leia trechos da entrevista com o professor Miguel Godoy, da UFPR e da UnB. A íntegra está disponível no YouTube do JOTA. Inscreva-se no canal para acompanhar todas as onze entrevistas da série.

Se a gente pudesse marcar uma diferença, Miguel, do tempo que você foi aluno e dos teus alunos hoje, que mudança que você indicaria como a mais clara? 

A mudança mais clara que, sem dúvida nenhuma, eu identifico no ensino do Direito Constitucional é, sem dúvida nenhuma, em primeiro lugar, a centralidade do Supremo como um ator político decisivo na história institucional, jurídica e política do país. Antes, ele era um ator muito mais eminentemente jurídico, hoje ele é também um ator sobremaneira político. 

Em segundo lugar, a postura comportamental dos ministros, que hoje é muito mais proativa, ministros falam mais para a imprensa, com a imprensa, comentam decisões, comentam julgamentos em andamento, fazem previsões da política e do próprio tribunal. Essa é uma dificuldade e um cenário novo com o qual a gente tem que lidar contemporaneamente, esse é o Supremo do nosso tempo e que não era o Supremo do tempo em que eu fui ensinado. Essas diferenças, para mim, são bastante marcantes.

Miguel, você se formou quando? Quando que você teve aula de Direito Constitucional? 

Eu tive aula de Direito Constitucional em 2004-2005. Então, lá se vão 20 anos.

Mas você não teve, então, muito debate sobre o Supremo na época em que você era aluno? 

Tive muito pouco debate específico sobre o Supremo. E quando a gente ouvia falar do Supremo nas aulas de Direito Constitucional, era justamente pela mudança de composição que vinha com o novo governo, era o governo Lula, o primeiro mandato do governo Lula, e as possibilidades de nomeações que fizessem com que várias promessas da Constituição que tinham sido freadas pelo Supremo conservador da virada da década de 1980 para a década de 1990, ou seja, aquela composição do Supremo que se manteve com ministros indicados… 

A chamada velha-guarda.

A velha-guarda fosse agora modificada e a gente tivesse promessas constitucionais levadas adiante. Por exemplo, a efetividade dos direitos sociais, a possibilidade de concretização e intervenção do Poder Judiciário sobre políticas públicas. Esse é um debate que começa nesse momento com uma nova composição. 

Então, quando a gente ouvia falar sobre o Supremo, era de forma residual e, geralmente, para alertar, dizia, olha, estamos passando por uma mudança de composição relevante, de modo que aqueles ministros antigos da velha guarda agora estão sendo substituídos por novos ministros. A maioria deles eram professores, entusiastas da nova Constituição, do novo momento democrático do país e que, portanto, deveriam chamar a nossa atenção para aquilo que poderia ser concretizado daqui para frente.

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