A folia acabou e a conta chegou: bolsos vazios e o Brasil no vermelho

O ano começa depois do Carnaval, segundo dizem, e, se a frase é verdadeira, para este ano ajusta-se com perfeição. Afinal, já estamos em março e o orçamento federal sequer foi aprovado.

Se fosse em outros países como os EUA, o país estaria paralisado, o shutdown já estaria produzindo seus efeitos e a administração pública teria fechado suas portas, como já aconteceu. Afinal, e aqui não é diferente, não se pode gastar recursos públicos sem autorização legislativa, e não temos lei orçamentária.

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Mas o brasileiro, além de alegre, é criativo. Nosso shutdown é bem mais suave e nos permite chegar até aqui sem prejudicar nossas festividades. As Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) federais, há anos, sabendo desses atrasos, incluem um dispositivo que autoriza provisoriamente a realização de despesas, com restrições, nessas hipóteses.

O artigo 70 da LDO federal de 2025 (Lei 15.060, de 30/12/2024), aprovada com inacreditáveis 6 meses de atraso (para que pressa, não é mesmo?) prevê as possibilidades de execução provisória do projeto de lei orçamentária, na hipótese de a lei orçamentária não ter sido publicada até 31 de dezembro de 2024, como é o caso, o que tem permitido chegarmos até aqui sem grandes transtornos. Sem transtornos, mas sem planejamento, sem rumo, sem responsabilidade, e tudo que a administração precisa para ter eficiência e respeito com o uso do dinheiro público.

Porém, tão logo aprovada a lei orçamentária, as perspectivas não se mostram animadoras. “Governo deverá bloquear R$ 18,6 bilhões no Orçamento de 2025 para cumprir regras fiscais”, prevê a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal[1]; “Sem mais cortes de gastos, governo tem de ‘risco de paralisia’ já em 2027, dizem consultores da Câmara”[2]. As informações de que as finanças públicas estão em estado crítico proliferam na mídia, refletindo o que os especialistas já vêm alertando há um bom tempo.

Isso evidencia uma das razões que tem dificultado a aprovação da lei orçamentária federal, como explicitou o relator do projeto, senador Ângelo Coronel, ao expor as dificuldades de encontrar recursos disponíveis para acomodar o reajuste salarial dos servidores e programas como o Vale-Gás e o Pé-de-Meia[3].

Nesses momentos de crise, nota-se importância e as dificuldades na elaboração da lei orçamentária. Manter o orçamento equilibrado no curto prazo e as finanças públicas sustentáveis no médio e longo prazos é o grande desafio dos gestores públicos competentes e responsáveis. Para isso, a contenção dos gastos tem se mostrado uma tarefa necessária e a mais difícil de ser implementada.

O recente estudo de Paulo Bijos, consultor da Câmara dos Deputados, evidenciou o preocupante ritmo de crescimento das despesas e a necessidade de que seja contido, que pode ser alcançado não apenas por corte de despesas, mas também com desindexações e desvinculações, permitindo a desaceleração do crescimento do gasto público[4]. Todas são medidas impopulares e indesejadas pelos políticos que estão no comando da administração pública e precisam agradar seus eleitores.

Mas o governo federal assumiu expressamente o compromisso de meta de resultado primário de R$ 0 (zero real), conforme o artigo 2º da já mencionada LDO de 2025, tendo, por conseguinte, a obrigação legal de não gastar mais do que arrecada neste exercício financeiro de 2025.

Manter o controle das despesas é um desafio, tanto no âmbito pessoal quanto no setor público. Nas finanças individuais, resistir ao impulso de gastar é difícil, pois os desejos parecem infinitos, enquanto os recursos são limitados. No setor público, a complexidade aumenta: o dinheiro pertence a todos, mas a responsabilidade de administrá-lo recai sobre gestores que não são seus proprietários diretos. Isso torna a tentação de gastar ainda maior e o controle mais desafiador. Não por acaso, equilibrar as contas é um dos maiores dilemas de qualquer gestor público.

Descumprir essa regra, que é simples e básica na gestão pública, produz seus efeitos, e os reflexos aparecem rapidamente, com o aumento e descontrole da dívida pública. É o que já está ocorrendo: “Brasil tem um dos maiores déficits nominais do mundo, e alta da dívida deve se intensificar, diz BTG. Despesas do governo, maiores do que as receitas, levam o país a um déficit ‘bem acima das demais economias emergentes’, aponta estudo do banco”[5].

A notícia de que o Brasil registra um dos maiores déficits nominais do mundo é alarmante para as contas públicas e a credibilidade do governo. Ela evidencia a falta de gestão e controle financeiro, agravando o cenário econômico. Com o crédito público cada vez mais escasso e caro, os juros sobem, e a dívida cresce de forma acelerada, alimentando uma espiral negativa cuja solução se torna mais complexa a cada dia.

O ordenamento jurídico brasileiro, no campo do Direito Financeiro, desde a Lei de Responsabilidade Fiscal, já vigente há quase 25 anos, mostrou-se bem estruturado e eficiente, pelo menos durante um bom tempo. Os desvios de conduta em meados da década de 2010, por meio de uso de contabilidade criativa, acabaram sendo punidos com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

A tentativa de retomada da rigidez nas regras de responsabilidade fiscal, com o improvisado teto de gastos, durou pouco tempo, pois o advento da pandemia em 2020 trouxe dificuldades na manutenção do rigor fiscal e vieram novas flexibilizações na legislação, que culminaram no arcabouço fiscal, cuja flexibilidade nas regras fiscais depende muito do resultado positivo das contas públicas, o que não vem ocorrendo.

O crescimento sustentado da economia não se concretiza, e, com isso, as cada vez mais necessárias medidas de corte de gastos para manter o orçamento equilibrado não aparecem. E pior: nem a boa vontade de realizá-las se evidencia, dando péssimos sinais aos agentes econômicos e gerando ainda mais desconfiança.

As recentes declarações do presidente Lula sobre esse tema mostram-se dúbias e não têm repercutido positivamente: “Se a gente tiver que fazer uma dívida, é para a gente construir um ativo novo que vai ajudar esse país a ser melhor ainda. Nós vamos, agora, pensar no desenvolvimento sustentável desse país. Continuar mantendo a estabilidade fiscal desse país e sem fazer com que o povo pobre pague o preço de alguma irresponsabilidade de algum corte fiscal desnecessário”[6]. E qualquer economista sabe o valor das expectativas no funcionamento da economia e na capacidade de influenciarem no crescimento e desenvolvimento.

A volta de ações que indicam a tentativa de burlar a rigidez das regras fiscais, como o caso recente do programa Pé-de-Meia[7], e a postergação de medidas concretas no corte de gastos públicos são péssimos sinais, demonstram a falta de compromisso em resolver o problema sem atacar as causas e criam expectativas negativas em todos aqueles que tem interesse e disposição em investir e promover o desenvolvimento.

Mudanças de postura e ações concretas na direção certa são cada vez mais urgentes. O dinheiro está cada vez mais escasso, a prometida picanha ainda não chegou, agora o café está sumindo, o ovo também e os bolsos estão cada vez mais vazios.

E agora, com o fim do Carnaval, o tempo também acabou!  


[1] Exame, 20.022025 (https://exame.com/economia/governo-devera-bloquear-r-186-bilhoes-no-orcamento-de-2025-para-cumprir-regras-fiscais-diz-senado/).

[2] G1, 9.2.2025 – https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/02/09/sem-mais-cortes-de-gastos-governo-tem-risco-de-paralisia-ja-em-2027-dizem-consultores-do-senado.ghtml.

[3] Orçamento precisará de ajustes para programas sociais e reajustes, diz relator (Agência Senado, 7.2.2025) – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/02/07/orcamento-precisara-de-ajustes-para-programas-sociais-e-reajustes-diz-relator.

[4] O caminho do equilíbrio: é preciso “cortar gastos”? Paulo R. S Bijos, Estudo 10/2024, novembro de 2024, Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.

[5] G1, 1.3.2025 – https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/01/14/brasil-tem-um-dos-maiores-deficits-nominais-do-mundo-e-alta-da-divida-deve-se-intensificar-diz-btg.ghtml.

[6] Se depender de mim, não haverá mais cote de gastos, diz Lula. Poder360, 30.1.2025 (https://www.poder360.com.br/poder-governo/se-depender-de-mim-nao-havera-mais-corte-de-gastos-diz-lula/).

[7] Sobre o tema, vejam a coluna “Orçamento, impeachment e Pé-de-Meia: 2025 inicia desafiador para o Direito Financeiro (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/orcamento-impeachment-e-pe-de-meia-2025-inicia-desafiador-para-o-direito-financeiro).

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