Incentivos fiscais e conformidade

O sistema processual civil brasileiro foi reformulado, a partir do CPC de 2015, para promover maior cooperação entre as partes. Esse novo paradigma fundamenta também os projetos de lei que integram a reforma tributária, nos quais o equilíbrio entre fisco e contribuinte, a bilateralidade e as políticas de conformidade ganham especial destaque.

No contexto de iniciativas voltadas à redução da litigiosidade e à implementação de políticas de conformidade fiscal fundamentadas em cooperação, simplicidade e praticabilidade, tramitam no Congresso Nacional o PLP 125/2022, no Senado, e o PL 15/2024, na Câmara dos Deputados.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Esses projetos têm como objetivo aprimorar a relação entre fisco e contribuinte, ao definir de forma precisa os perfis do devedor contumaz e do contribuinte adimplente, aplicando sanções específicas aos inadimplentes e concedendo benefícios àqueles que cumprem regularmente suas obrigações fiscais.

A questão central, entretanto, é: a conversão desses projetos em lei será capaz de alcançar seus objetivos de reduzir o número de devedores contumazes e incentivar bons pagadores, efetivando os princípios cooperativos e promovendo o equilíbrio na relação entre fisco e contribuinte?

O PLP 125/2022, conhecido como Código de Defesa do Contribuinte, apresenta normas gerais que abordam direitos, garantias e deveres dos contribuintes, abrangendo uma ampla gama de aspectos da relação tributária.  Este projeto se propõe a identificar e diferenciar os contribuintes em duas categorias: devedor contumaz e bom pagador.

O devedor contumaz é caracterizado como o contribuinte que, de forma reiterada e substancial, descumpre suas obrigações tributárias, praticando atos que revelam resistência injustificada ao cumprimento de suas obrigações. Em contrapartida, o bom pagador é identificado por seu histórico de adimplência e colaboração com o fisco, sendo contemplado com benefícios específicos que reconhecem seu compromisso com a conformidade fiscal.

A definição de devedor contumaz no PLP 125/2022 adota uma abordagem qualitativa que não se limita à inadimplência reiterada e substancial, mas considera também a prática de atos fraudulentos ou lesivos ao erário. Essa caracterização exige a instauração de um processo administrativo definitivo, no qual são assegurados os direitos de ampla defesa e contraditório.

Uma vez identificado como devedor contumaz, o contribuinte fica sujeito a restrições significativas, incluindo o impedimento de acesso a benefícios fiscais, a proibição do uso de créditos de prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL para a quitação de tributos, além de limitações ao acesso a parcelamentos e à concessão de remissões.

No âmbito dos contribuintes que demonstram cooperação e regularidade fiscal, o PLP 125/2022 promove incentivos estratégicos para reforçar a cultura de conformidade tributária. Aos chamados “bons pagadores” são concedidos direitos e facilidades que vão desde o acesso a canais simplificados para orientação e regularização fiscal até a flexibilização na exigência e substituição de garantias fiscais. Além disso, esses contribuintes recebem prioridade na análise de processos administrativos que envolvam a devolução de créditos tributários.

Já o PL 15/2024, embora compartilhe o objetivo de distinguir devedores contumazes de bons pagadores, adota enfoques e medidas distintos para alcançar essa finalidade. Em especial, o projeto propõe a criação do Cadastro Fiscal de Devedor Contumaz (CFDC), que visa consolidar informações e monitorar contribuintes caracterizados como devedores contumazes.

A inclusão nesse cadastro é reservada a contribuintes cujos créditos tributários federais, desprovidos de garantias idôneas e inscritos ou não em dívida ativa, ultrapassem o montante de R$15 milhões e correspondam a mais de 100% do seu patrimônio declarado. Após a inscrição no CFDC, o contribuinte passa a estar sujeito a sanções rigorosas, como a declaração de inaptidão do CNPJ, a impossibilidade de extinção da punibilidade por crimes fiscais mediante pagamento do débito, e o impedimento de participação em licitações públicas ou de estabelecer vínculos com a administração pública.

Já como prêmio aos bons pagadores, o PL 15/2024 fortalece o Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia), inicialmente instituído pelas Portarias RFB 387/2023 e 417/2024, conferindo-lhe maior amplitude e robustez.

De acordo com as disposições do projeto, contribuintes que implementarem mecanismos de controle interno e de governança tributária voltados ao cumprimento espontâneo das obrigações fiscais poderão usufruir de uma série de benefícios. Esses incluem procedimentos de importação mais ágeis, acesso ao bônus de adimplência fiscal, isenção do registro ou averbação de arrolamento de bens, preferência em contratações em processos licitatórios, priorização de demandas junto à administração tributária federal, e, adicionalmente, um desconto no pagamento à vista da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essas previsões representam um avanço significativo ao promover a conformidade voluntária e ao fortalecer a relação de confiança entre o fisco e o contribuinte. Ao oferecer incentivos concretos, como prioridade em processos administrativos e licitatórios, além de descontos tributários, o projeto amplia o rol de benefícios destinados aos contribuintes que adotam práticas de boa governança fiscal.

No entanto, embora ambos os projetos avancem na definição de devedor contumaz e bom pagador, há lacunas evidentes quanto aos incentivos oferecidos para que o contribuinte busque, ativamente, se manter na condição de bom pagador. A previsão legal de incentivos que promovam não apenas a conformidade fiscal, mas que também valorizem o comportamento adimplente, poderá agregar um importante estímulo de condutas proativas por parte dos contribuintes.

Nesse sentido, uma proposta a ser considerada é a redução progressiva da carga tributária para contribuintes que, por um período contínuo, mantenham suas obrigações fiscais em dia. Essa redução poderia ser aplicada a tributos específicos, como o aumento gradual do percentual de compensação de prejuízos fiscais no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), oferecendo um incentivo direto para que as empresas valorizem e adotem práticas de conformidade fiscal.

Outra proposta a ser pensada é a criação de um programa de recompensas baseado em créditos fiscais. Esse programa poderia vincular a conformidade fiscal à possibilidade de acumulação de créditos, permitindo que bons pagadores utilizem esses créditos para compensar tributos.

A mesma lógica poderia ser aplicada a canais facilitados de concessão de linhas de créditos públicos com condições diferenciadas, como juros reduzidos e prazos mais longos. A lógica aqui é que o contribuinte adimplente seja premiado com benefícios concretos ao possuir um bom histórico de cumprimento das obrigações fiscais.

Além disso, é fundamental considerar a criação de um programa de conformidade fiscal específico para pessoas físicas, semelhante ao proposto para empresas, ampliando os incentivos à adimplência também para este grupo. Assim, seria possível oferecer aos contribuintes individuais que mantêm suas obrigações fiscais em dia incentivos como descontos em tributos, facilitação no acesso a deduções fiscais ampliadas, tais como um maior percentual na dedução de despesas com educação, e atendimento prioritário na administração tributária.

Por fim, é importante que esses benefícios sejam acompanhados de mecanismos claros de monitoramento e verificação da conformidade, de forma a garantir que apenas contribuintes que efetivamente cumpram suas obrigações fiscais possam usufruir dessas vantagens.

Deve haver transparência no processo de certificação dos bons pagadores, de forma que o programa possa se consolidar como um verdadeiro facilitador da boa-fé tributária, incentivando uma cultura de transparência e responsabilidade fiscal.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.