Participação de trabalhadores na gestão de empresas: avanço ou lei que ‘não pega’?

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 85 proposta pela Procuradoria-Geral da República, decidiu que o Congresso Nacional tem 24 meses para regulamentar a participação excepcional dos trabalhadores urbanos e rurais na gestão das empresas.

A questão agora é se essa norma trará benefícios reais para empresas e empregados ou será apenas mais uma daquelas leis que “não pegam” porque não fazem sentido na prática.

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O artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988 já previa essa possibilidade, mas sempre condicionada à regulamentação por lei. O problema é que, após 35 anos, essa regulamentação nunca saiu do papel — e, curiosamente, ninguém parece ter sentido falta. Agora, o STF resolveu pressionar o Congresso para tratar do assunto. Mas será que criar uma nova regra não trará mais problemas do que soluções?

O argumento por trás da proposta parece, à primeira vista, lógico: incluir empregados na gestão poderia trazer mais transparência às decisões empresariais, aumentar o comprometimento dos trabalhadores e melhorar a relação entre patrões e empregados.

No entanto, na prática, as coisas não são tão simples. O primeiro ponto crítico é a forma dessa participação. Quem escolherá os empregados que terão assento na gestão? Serão representantes sindicais ou funcionários indicados? Eles terão poder decisório real ou apenas um papel simbólico? Além disso, esses empregados terão formação e conhecimento suficientes para participar de reuniões estratégicas sobre investimentos, cortes de custos, contratações e expansão da empresa?

O modelo de participação de empregados na gestão já existe em países como Alemanha e França, mas em contextos econômicos e trabalhistas muito diferentes do nosso. Na Alemanha, por exemplo, há um sistema de cogestão em grandes empresas, mas o trabalhador não é apenas um funcionário: ele faz parte de sindicatos fortes e estruturados, que participam das decisões corporativas dentro de regras bem estabelecidas. No Brasil, onde muitas empresas já enfrentam dificuldades para lidar com uma legislação trabalhista complexa, um modelo desses traria mais clareza ou apenas mais insegurança?

Outro ponto delicado que precisa ser esclarecido na futura lei é a responsabilidade dos empregados que passarem a integrar a gestão. Atualmente, sócios e administradores podem ser responsabilizados em execuções trabalhistas quando a empresa não tem patrimônio suficiente para pagar suas dívidas. O empregado-gestor será colocado nessa posição?

Imagine um cenário em que um desses empregados, em uma decisão conjunta com os demais gestores, aprove uma política de redução de custos que leve à dispensa de funcionários. Se essa dispensa for questionada judicialmente, ele poderá ser responsabilizado? O simples fato de ter participado de decisões estratégicas poderá ser usado contra ele no futuro?

O risco é que essa participação, que deveria ser um mecanismo de colaboração, acabe gerando um novo foco de tensão dentro das empresas, criando uma figura híbrida que não é exatamente um gestor, mas também não é apenas um empregado. E, convenhamos, a Justiça do Trabalho já tem um histórico de ampliar a responsabilidade para além do que está escrito na lei.

A intenção declarada dessa medida é melhorar a relação entre patrões e empregados. Mas será que essa interferência na gestão realmente contribuirá para um ambiente mais saudável ou apenas criará novos atritos? Atualmente, as funções dentro das empresas são bem definidas. O empregador assume o risco do negócio e responde pelas decisões estratégicas, enquanto o empregado cumpre sua função dentro do que foi estabelecido em contrato. Se um grupo de empregados passa a integrar a gestão, como ficará essa dinâmica?

Vamos imaginar uma situação real: a empresa enfrenta uma crise e precisa reduzir custos. O empregado-gestor terá que decidir entre cortar benefícios ou dispensar colegas. Como ele agirá? Defenderá a empresa ou os trabalhadores? E se a decisão for contestada pelo sindicato, de que lado ele ficará? Esse tipo de dilema pode gerar desgastes internos e, em vez de criar um ambiente de cooperação, acabar aprofundando a divisão entre gestão e funcionários.

Além disso, não há evidências de que os trabalhadores brasileiros demandem essa participação. Se houvesse uma demanda real, já existiriam negociações coletivas que garantiriam essa inclusão de forma espontânea. Mas não há. O que mostra que esse pode ser mais um exemplo de interferência estatal em um tema que o próprio mercado não vê necessidade de regular.

Um ponto essencial que não foi abordado: as empresas querem essa mudança? O setor produtivo foi consultado antes dessa decisão do STF? Se houvesse real interesse do mercado nessa proposta, ela já teria sido implementada voluntariamente. Mas o fato de esse tema ter ficado adormecido por mais de três décadas mostra que ele nunca foi uma prioridade. Na prática, a relação entre empresa e empregado já conta com outros mecanismos de participação, como a negociação coletiva e a participação nos lucros e resultados (PLR).

O que será mais efetivo para o trabalhador: um bônus financeiro baseado nos resultados da empresa ou um assento em reuniões de diretoria sem poder de decisão real? A resposta parece óbvia. Além disso, há o risco de que essa nova norma crie mais burocracia para as empresas, exigindo novas estruturas e novas obrigações que, na prática, só trarão mais insegurança jurídica e entraves administrativos.

Diante de tantos questionamentos, fica a impressão de que essa pode ser mais uma lei criada apenas para cumprir uma formalidade constitucional, sem impacto real no dia a dia das empresas e dos trabalhadores. O Brasil já tem um histórico de leis que foram aprovadas e, na prática, nunca foram plenamente aplicadas porque não faziam sentido na realidade empresarial. Essa pode ser mais uma. O próprio fato de a regulamentação ter sido ignorada por tanto tempo já é um indicativo de que não há uma demanda concreta para sua implementação.

Se a ideia é melhorar o diálogo entre empresas e empregados, há outros caminhos mais efetivos do que criar uma figura nebulosa dentro das corporações. A participação nos lucros e resultados, por exemplo, é uma forma muito mais direta de engajar os trabalhadores na saúde financeira da empresa, sem criar novas complexidades jurídicas.

Agora, resta esperar para ver qual será a solução legislativa apresentada pelo Congresso. Mas, ao que tudo indica, essa pode ser mais uma norma que será lembrada apenas nos livros de direito, sem aplicação prática real no mundo dos negócios. Afinal, se uma ideia não encontrou espaço no mercado ao longo de 35 anos, será que faz sentido tentar impor isso por lei?

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