Reunião dos Três Poderes sobre emendas ditará ritmo do parlamento

O embate entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional em torno das emendas parlamentares tem gerado intensos debates no cenário político brasileiro nos últimos meses. No entanto, o tema está se desdobrando há cerca de dez anos.

Desde 2015, ano em que o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86 — que tornou as emendas individuais (RP 6) impositivas —, as emendas parlamentares ao orçamento têm passado por transformações significativas, expandindo o poder do Legislativo sobre o orçamento do país.

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A EC 100, de 2019, ampliou os recursos impositivos ao incluir as emendas de bancadas estaduais (RP 7), enquanto a EC 105, no mesmo ano, introduziu a modalidade de transferência direta (Pix) às emendas individuais, permitindo que os recursos fossem enviados a estados e municípios com maior agilidade.

As peças orçamentárias aprovadas pelo parlamento para os anos de 2020 e 2021, por sua vez, deram novos contornos para duas modalidades de emendas ao orçamento público: as emendas de comissões permanentes (RP 8) e as emendas de relator-geral (RP 9), conhecidas como “orçamento secreto”.

Em 2022, porém, as emendas de relator ganharam destaque quando o STF declarou sua inconstitucionalidade por falta de transparência e critérios técnicos. Esse histórico é essencial para compreender os desdobramentos e desafios que as emendas parlamentares continuam a impor em 2024 e 2025.

Já em maio do ano passado, o Congresso derrubou o veto do presidente Lula (PT) à Lei Orçamentária Anual 2024, permitindo a destinação de mais de R$ 15 bilhões para as emendas de comissão da Câmara e do Senado. Em julho, com o objetivo de cumprir a meta fiscal de déficit zero para o ano, o governo federal congelou R$ 15 bilhões destinados a diferentes ministérios e programas, sendo R$ 1,2 bilhão das emendas de comissão e de bancada, sem afetar as emendas individuais.

Nesse contexto, enquanto Lula, PT e apoiadores focaram na necessidade de manter e expandir programas e benefícios destinados à população mais vulnerável — estratégia vital para reforçar a confiança e o apoio do seu eleitorado —, o ministro Fernando Haddad e a equipe econômica ficaram com a incumbência de buscar credibilidade frente ao mercado e evitar efeitos colaterais prejudiciais à economia, como o aumento do dólar e o descontrole inflacionário.

Nessa luta pelo equilíbrio das contas públicas, acabou sobrando para Haddad o apelido conferido pela oposição de Taxad, uma vez que seus esforços para aumento da arrecadação apareceram mais que os compromissos do governo com corte de gastos.

O capítulo seguinte ampliou o imbróglio entre os Poderes e trouxe à tona um impasse que não teve fim com o ano de 2024. Em agosto, o ministro do STF Flávio Dino suspendeu o pagamento das emendas impositivas e condicionou sua retomada à criação de novas regras de transparência validadas entre os Três Poderes.

Como parte das medidas de controle, a Controladoria-Geral da União (CGU) ficou encarregada de auditar todos os repasses feitos entre 2020 e 2024 para ONGs e outras entidades do terceiro setor. O levantamento da CGU revelou falhas graves nos mecanismos de governança, dentre eles, planos de trabalho sem detalhamentos e imprecisão no monitoramento de repasse dos recursos.

Além disso, mais de R$ 15 milhões foram identificados como danos ao erário na destinação de recursos a ONGs durante o período analisado, evidenciando a necessidade de maior rigor na destinação desses recursos. A auditoria também apontou que, entre as 256 obras financiadas nos 30 municípios que mais receberam emendas parlamentares, 44% não haviam saído do papel ou estavam paralisadas.

Os meses de negociação e acordo em busca de consenso resultaram na aprovação da Lei Complementar 210/2024, que cria regras para a destinação e para a prestação de contas de emendas, já em novembro de 2024. Com isso, o STF referendou por unanimidade a decisão de Dino que permitiu a retomada dos pagamentos de emendas de congressistas, desde que fossem cumpridas uma série de especificações para cada tipo de emenda.

A liberação dos recursos ocorreu no momento em que, oportunamente, o governo angariava apoio para a aprovação do pacote de ajuste fiscal e das peças orçamentárias para 2025. Ainda que tenha acelerado o trâmite, Lula não conseguiu destravar a íntegra de seus projetos e parte deles foram desidratados nos plenários.

Entretanto, uma nova suspensão dos recursos pelo ministro Flávio Dino congelou o pagamento de R$ 4,2 bilhões e R$ 2,5 bilhões em emendas de comissões da Câmara e do Senado, respectivamente, às vésperas do Natal. A medida questionava a ausência de registro formal e de aprovação prévia pelas respectivas comissões das Casas, que solicitaram os valores por meio de ofício assinado por seus líderes.

O magistrado requereu, ainda, a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para apuração da destinação dos valores. A determinação gerou apreensão em diferentes líderes partidários, que temem que a medida se transforme em novo  “inquérito-mãe”, a exemplo do que existe hoje com o inquérito das fake news, que se arrasta há mais de cinco anos sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Para além disso, a repercussão desse inquérito também deve preocupar consideravelmente o deputado Arthur Lira (PP-AL), que terminou seu mandato à frente da presidência da Câmara e pode passar por 2025 como “simples” deputado federal, caso não venha a integrar o governo federal com a reforma ministerial em vias de acontecer.

Entre manifestações das Casas Legislativas e da Advocacia Geral da União (AGU) que se seguiram desde a decisão do ministro Dino, foi mantido o bloqueio de parte das emendas de comissões das respectivas Casas, mas ressalvado, por segurança jurídica, em relação às que já haviam sido empenhadas antes do dia da decisão (23/12/2024).

Ainda, ficaram permitidas as emendas, já empenhadas ou não, necessárias para cumprir o mínimo constitucional de despesas com saúde. Dino determinou que as emendas sejam ratificadas nas comissões temáticas até 31 de março de 2025, sob pena de anulação imediata e automática.

A poucas horas da virada do ano, o presidente Lula sancionou, com cerca de 35 vetos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 (Lei 15.080/2024). Entre os vetos estavam pelo menos cinco dispositivos relacionados às formas de execução das emendas parlamentares, incluindo a possibilidade de bloquear apenas as emendas de comissão, que não possuem caráter impositivo.

No entanto, o mesmo êxito não foi alcançado com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o que levou o governo federal a iniciar o ano de 2025 com a execução provisória do orçamento, autorizado a realizar apenas gastos obrigatórios, que abarcam alimentação escolar, saúde e benefícios previdenciários, dentre outros.

Contudo, esse cenário não é inédito no Brasil e fatos semelhantes ocorreram no governo Dilma Rousseff, em 2013, e Jair Bolsonaro, em 2021, quando medidas provisórias e decretos foram editados para liberar recursos até a aprovação final do orçamento. Embora a ausência de aprovação da LOA restrinja os gastos, o governo tem buscado demonstrar controle sobre a situação e anunciou, por meio do Ministério do Planejamento, que o funcionamento do governo não será prejudicado.

Para além da falta de orçamento, 2025 trouxe consigo o início da gestão municipal dos prefeitos eleitos em outubro passado. Há poucos dias no cargo, os gestores já aumentaram a pressão, por meio da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), dentre outras entidades, para a liberação das emendas aos seus redutos eleitorais e a aprovação do orçamento federal, a fim de destravar o aporte de recursos em obras e ações que assegurem não só sua governabilidade, mas o fechamento e aprovação das contas de suas respectivas cidades.

Esse movimento municipalista político-institucional reforça a necessidade de atualização do mapa de prioridades dentro do Congresso Nacional, já que os parlamentares precisam atender às demandas dos municípios com vistas às eleições de 2026.

Ademais, a nova composição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado pode trazer novidade para a relação entre os Três Poderes. Os novos presidentes das Casas, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), terão a primeira oportunidade, nesta quinta-feira (27), de negociar com o Executivo e o Judiciário os acordos referentes à liberação das emendas parlamentares e à aprovação da lei orçamentária.

O resultado dessas articulações ditará o ritmo e ânimo do parlamento na aprovação das pautas arrecadatórias prioritárias ao governo federal e outras pautas polêmicas que sugerem alterações em mandatos dos ministros e na autonomia do STF.

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