Reforma do ITR: a oportunidade e o momento

Nesse início de 2025 vimos um dos maiores anseios brasileiros se tornar realidade: foi sancionada a tão esperada reforma tributária sobre o consumo, o que traz novos procedimentos e tributos unificados.

Há vozes importantes que entendem por um grande avanço em redução do “custo Brasil” e outras pela estagnação de um sistema que ainda continuará complexo, mas não se sabe ainda qual será seu impacto na prática, o que será apurado com o decorrer do tempo.

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Independentemente de qual seja a posição, certo é que a mudança em si já é um passo importante e que irá mudar a percepção dos negócios no país.

Tomados com o sentimento de mudança, seria o caso de avançar em outros pontos do sistema tributário e evoluir os diversos tributos que se encontram desatualizados, como é o caso do Imposto Territorial Rural (ITR).

Antes renegado pela Receita Federal pela complexidade na apuração e pelo baixo retorno financeiro, com a delegação da competência de fiscalização e lançamento aos municípios pela Emenda Constitucional 42/2003 passou a ser uma grande fonte de arrecadação dos entes municipais.

Conforme os dados disponíveis no Tesouro Transparente[1], houve um aumento considerável na arrecadação do ITR nos últimos 14 anos[2], com aumento de mais de R$ 2 bilhões em arrecadação total.

Contudo, em que pese a autorização, ainda são poucos os municípios que aderiram ao “convênio de delegação de competência de fiscalização e lançamento” e recebem 100% por cento das receitas da arrecadação. Apesar da percepção inicial de que 50% dos valores não representariam um aumento significativo, os dados do Tesouro Transparente mostram que municípios com convênio vigente têm obtido arrecadações expressivas[3].

Com a reconhecida aptidão do Brasil para o agronegócio, que ficou mais evidente nos últimos anos, e com o aumento da fiscalização por parte principalmente dos municípios que optaram pelo convênio com a Receita Federal para cobrança do tributo, este passou a ser um custo importante que deve ser levado em consideração pelo produtor rural.

Contudo, diversos pontos devem ser aperfeiçoados para melhor relação dos contribuintes com a União e com os municípios.

Na esteira da reforma tributária, pode-se desenhar um modelo de Comitê Gestor, nos moldes do adotado para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no qual representantes da União (detentora da capacidade tributária) e dos municípios (delegados da capacidade de fiscalização e lançamento do ITR) possam estabelecer diretrizes para a fiscalização, arrecadação e cobrança do tributo.

A participação ativa dos municípios é muito importante, pois são eles que entendem todas as peculiaridades e necessidades para uma correta fiscalização e arrecadação na ponta, afastando o atual modelo de imposição de normas pela União sem o respaldo de quem ao fim atua diretamente com o contribuinte.

Atualmente já há previsão legal do Comitê Gestor do ITR (CGITR), mas que possui função apenas de dispor sobre a celebração dos convênios e a sua operacionalização, conforme Decreto 6.433/2008. Ou seja, não tratam das normas de regência do tributo.

Em 2024 foi editada a MP 1227/2024, famigerada à época pela alteração na forma de compensação dos créditos de PIS e Cofins, sendo por isso chamada de “MP do Fim do Mundo”. Em mudança pouco comentada, o seu art. 4º passou a prever alteração na Lei 11.250, de 27 de dezembro de 2005, com a delegação das atribuições de instrução e julgamento dos processos administrativos de determinação e exigência relacionados ao ITR, além dos poderes anteriormente previstos de fiscalização e cobrança.

Ao fim a referida Medida Provisória acabou tendo sua vigência encerrada em razão da ausência de ratificação pelo Congresso Nacional.

Caso de fato seja de interesse da União reduzir seu já exorbitante contencioso administrativo com a delegação dos poderes de instrução e julgamento dos casos de ITR, o meio adequado seria uma alteração constitucional, pois a tentativa de mudança via Medida Provisória foi desacertada e ao fim carregaria uma inconstitucionalidade latente, pois o art. 153, VI, § 4º, III, da Constituição Federal ao estabelecer os limites da delegação de competência da União aos municípios em relação ao ITR, prevê apenas fiscalização e cobrança, não instrução e julgamento.

De outro lado, é importante ressaltar que a segurança do contribuinte não pode ser posta de lado neste sentido. Seria importante, em caso da delegação de lançamento ser outorgada aos municípios, ser editada a Lei 9.393/1996 trazendo os entendimentos já consolidados perante o STF e o Carf na temática do ITR, a fim de que a construção realizada até aqui não se perca nos julgamentos dos conselhos municipais de contribuintes.

Visando manter a segurança jurídica dos contribuintes, ainda, os Consórcios Públicos Municipais também poderiam criar câmaras de julgamento, similares aos conselhos de contribuinte, para os tributos municipais, a fim de que não somente o ITR mas os demais tributos também pudessem gozar de toda técnica disponível nos julgamentos.

Não se pode olvidar também que no aspecto da segurança jurídica do ITR, muito há que se construir em relação ao laudo de valor de terra nua (Laudo VTN), enviado anualmente no mês de abril, para a Receita Federal. Referido laudo tem sido motivo de especial questionamento dos contribuintes no país, em razão da sua baixa ou inexistente fundamentação.

A defasagem nesse valor é uma realidade em diversos municípios, levando estados como Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo a fornecerem seus próprios valores para a Receita Federal em casos de omissão municipal, para que anualmente haja a atualização dos valores das terras. Contudo, essa omissão não pode ser suprimida por laudos sem fundamentação.

Neste cenário, uma revisão na Instrução Normativa 1.877/2019 seria importante, visto que desde a sua edição ela não sofreu alterações. O cenário do agronegócio no país é dinâmico, em especial nos temas como valor de terras e ocupação do solo. Além disso, a alteração dos valores de terra nua, base de cálculo do tributo, gera inseguranças ao contribuinte inclusive sobre a que valor comercializar os produtos oriundos da sua terra.

Assim, restam diversos caminhos que podem ser percorridos para atualização do ITR, visando principalmente seu amadurecimento e o implemento na arrecadação pelos municípios.


[1] TESOURO TRANSPARENTE. Transferência para estados e municípios: ITR. Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/transferencias-a-estados-e-municipios. Acesso em: 27/01/2025.

[2] Recorte temporal feito conforme os dados disponibilizados no site da Receita Federal, ITR Convênio – Consulta de Entes Conveniados, onde se tem apenas as informações dos entes conveniados a partir de 2008. Disponível em: https://servicos.receita.fazenda.gov.br/servicos/termoitr/controlador/controlePrincipal.asp?acao=telaInicial. Acesso em: 27/01/2025.

[3] Lista dos 10 municípios que mais arrecadam com Imposto Territorial Rural – ITR. Baseado na coleta e tratamento de dados publicados no site do Tesouro Transparente. Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/transferencias-a-estados-e-municipios. Acesso em 27/01/2025.

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