Implementação e gestão do jurídico de uma empresa global

As negociações foram feitas. As projeções, os prazos e as metas já estão estabelecidas. O relógio começou a correr. Ponto de partida já orquestrado com todos os investidores, como agir depois do “doing business”?

Criar um departamento jurídico do zero já é um desafio por si só, fazê-lo para uma das maiores empresas da Ásia desembarcar no Brasil é uma aventura e estamos aqui para contar um pouco para vocês sobre o que estamos aprendendo e vivenciando.

Se virando na Torre de Babel

Ao trabalhar em um ambiente multilinguístico, rapidamente você nota que se comunicar bem não tem tanta relação com dominar um idioma. Em um ambiente onde nem todas as pessoas falam uma mesma língua, todas as áreas precisam se fazer entender.

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E não há razão de ter vergonha sobre nada. Em muitas empresas há uma pressão sobre o domínio completo de idiomas, forçando, inclusive, sotaques específicos como forma de destaque. Ainda bem que, por aqui, somos constantemente desinibidos dessa etiqueta. Nas reuniões a eficiência e uma postura proativa parecem fazer parte da linguagem universal corporativa e são reconhecidas independentemente do inglês com Received Pronunciation.

O importante é sempre se manter aberto, atento e com iniciativa. As pessoas terão paciência para a sua tentativa de se comunicar se elas tiverem confiança na importância da mensagem a ser transmitida. O importante é não deixar de mostrar que você é transparente e comprometido com as tarefas que passam por você.

Construindo um departamento tijolo por tijolo em um desenho lógico

Construir um departamento jurídico é intimidador e, ao mesmo tempo, um convite à criatividade. Não há legado, não há herança, não há manias e “certos e errados” herdados por costumes arqueológicos.

Esse quadro em branco limitado pelas políticas da empresa e pela relação com as outras áreas, ainda assim, é um prato cheio para novas oportunidades. É a chance de construir e implementar do jeito que entende que seja o mais adequado e eficiente, construindo os processos, desenhando as políticas, criando alçadas, definindo os papéis e responsabilidades.

De maneira alguma esse trabalho de construção deve ser feito pelo jurídico de forma isolada. Nesse momento é essencial fazer alianças, conquistar a confiança das demais áreas, aproveitar para conhecer mais sobre os objetivos da empresa e qual a meta a curto e a longo prazo.

Busque alinhar e considerar as atividades e processos dos outros times da empresa no planejamento do jurídico. Afinal, como no Mundial de 1958, não é possível fazer essas engrenagens funcionarem sem combinar com os russos.

Budget: realidade ou utopia?

Tem coisas que a faculdade de Direito e muitos escritórios não ensinam: domar o orçamento. Além de priorizar com o que gastar, é valioso entender que qualquer investimento que inicialmente parece robusto, poderá ser uma economia vital no futuro.

Infelizmente, nas grandes corporações, ainda é um desafio entender que um departamento jurídico não gera apenas custos. Ele também é capaz de mitigar riscos, ajudar na construção de novos modelos de negócio e promover um crescimento sustentável da empresa.

“Leva 20 anos para construir uma reputação e cinco minutos para arruiná-la. Se você pensar sobre isso, vai fazer as coisas de forma diferente.” Essa citação, atribuída a Warren Buffett, nos ajuda a defender um pouco de nossa missão. Assim como o departamento de relações públicas, marketing e publicidade, os times jurídicos podem utilizar dessa premissa para justificar a necessidade de um trabalho preventivo, como forma de identificar e eliminar as ineficiências, bem como proteger os negócios de caminhos curtos e fáceis… Para o precipício.

Desta forma, para definição do budget se faz necessário o mapeamento de todos os temas que serão implementados e desenvolvidos, bem como identificar quais os riscos da operação no estágio atual, que possam gerar despesas, passivos, contingenciamento de ações e os respectivos impactos nos resultados.

Nessa linha, pode ser feito o provisionamento da forma correta e otimizando o fluxo de caixa. Precisamos ser realistas, na grande maioria dos casos, empresas em estágios iniciais e startups não estão dispostas a grandes investimentos em áreas de suporte, desta forma é preciso priorizar e fazer o que for possível com os recursos disponíveis. Claro que, com o crescimento da empresa, se tudo der certo, alguns improvisos podem evoluir para projetos sólidos e mais seguros.

Contratando processos, tecnologias e pessoas

Como um departamento jurídico, é natural que busquemos outros escritórios para nos ajudar com algumas demandas. No entanto, é vital que esses parceiros estejam na mesma sintonia, afinal contratamos os seus serviços para ganharmos tempo.

Em empresas multinacionais, é natural nos depararmos com demandas acompanhadas de perguntas incríveis, que por vezes até parecem deboche, mas não são. É preciso lembrar que partimos de legados culturais e regulatórios diferentes e muitas vezes essas dúvidas buscam entender todo e qualquer impacto prático que a legislação pode ter sobre o negócio.

Em resumo, esqueça que um dia aprendeu termos em latim e comece a fazer compilados de sanções e requisitos legais, planilhar aplicáveis porcentagens e montar calculadoras com valores de multa.

A comunicação de forma clara e direta é a chave do departamento nos negócios da empresa. Deixe os pareceres de infinitos tomos quando estes forem especificamente solicitados e necessários. Adote o simples e objetivo como padrão e não ouse usar o “juridiquês”, sob pena de ser ignorado e, no pior dos casos, mal compreendido.

Outra ferramenta essencial para qualquer trabalho corporativo, hoje, são as tecnológicas. Talvez não seja possível aprovar de primeira o melhor sistema, mas é preciso superar o medo do fear of missing out (FOMO), e trabalhar com o que for possível, pelo menor custo e que, ainda assim, atenda a demanda inicial.

Veja o que servirá como base da sua operação, como por ex. um sistema de capturas de novas ações, um sistema de gestão que outras áreas já utilizem ou que fornecedores confiáveis forneçam versões simplificadas de maneira gratuita.

Falamos de processo, de tecnologia, mas o foco é o pilar de pessoas. Busque quem possua fit com a cultura da empresa. O perfil do profissional jurídico em empresas que estão iniciando deve ser resiliente, criativo, adepto a mudanças, proativo, independente e de expertise generalista, pois muitas vezes poderá ser o único advogado da empresa, já que um time jurídico poderá ficar para depois.

Respeito e compreensão à cultura da empresa

Se ainda não ficou claro, reforçaremos uma última vez: a comunicação clara e eficaz é o ás na manga para conquistar confiança. Em um ambiente multicultural é imprescindível ser flexível e construir pontes.

Pontes que tem como objetivo interligar e buscar o equilíbrio entre os costumes corporativos dos nossos colegas estrangeiros com o jeitinho brasileiro, jurídico ou operacional, de lidar com as coisas. Essa comunicação é delicada, mas fundamental. Ela deve ser dotada de empatia para compreender que o ponto de vista estrangeiro é válido, mas que precisa ser adaptado para a realidade na qual a empresa está inserida agora. Muitas vezes, esse exercício de adaptação carrega aprendizados que poderão ser incorporados às nossas práticas corporativas nacionais. Afinal, essas pontes são vias de mão dupla.

Se pudermos resumir toda essa experiência é: mantenha sua cabeça aberta para novas culturas, ensinamentos e possibilidades. Não deixe que as estruturas rígidas do direito te iludam sobre o dinamismo corporativo que permeia todas as profissões corporativas a bastante tempo. Nós, operadores do direito, chegamos atrasados nessa dinâmica, agora, nos cabe a tarefa de alcançarmos, pelo menos, os anos 2000 em cultura corporativa.

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