Os entraves tributários ao armazenamento de energia renovável em baterias

O problema da sazonalidade da energia renovável

Segundo uma conhecida citação de Mahatma Gandhi, “o futuro depende do que fazemos no presente”. No Brasil, a construção de um futuro energético ainda mais sustentável passa pela superação de dois grandes desafios que têm mantido as redes elétricas dependentes das matrizes fósseis: a intermitência das fontes renováveis e os picos de demanda.

As matrizes solar e eólica são naturalmente sensíveis às variações na luz solar e no clima para a produção de energia. Assim, essas fontes não são capazes de atender à demanda de energia nos momentos de pico de consumo – frequentemente à noite –, quando a geração da energia renovável fica aquém do volume consumido.

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Embora a matriz elétrica do país já seja majoritariamente limpa (mais de 84%, segundo a Aneel)[1], essas limitações dificultam o uso pleno de fontes renováveis. Como resultado, combustíveis fósseis, como carvão e gás natural, continuam sendo usados para suprir essa demanda. 

Mas, se há carência no fornecimento de energia renovável em determinadas circunstâncias, o oposto também ocorre em outras. Há um significativo desperdício da energia renovável gerada em momentos de pico de produção. Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) indicam que, até 2028, o desperdício de energia renovável pode chegar a 50 GW[2], o que equivale a cerca de 25% de toda a capacidade instalada do sistema elétrico brasileiro.

Essa situação evidencia a urgência de soluções que aumentem a estabilidade e a eficiência do sistema. Uma delas é o Sistema de Armazenamento de Energia em Baterias ou BESS (Battery Energy Storage Systems)

O que são BESS e por que eles são importantes?

Esses sistemas são capazes de armazenar energia para uso posterior, garantindo a disponibilidade mesmo nos horários de pico de consumo ou durante eventuais falhas do sistema. Além disso, os BESS permitem estabilizar o fornecimento, melhorar o aproveitamento da energia gerada localmente e servir como reserva estratégica em emergências.

No cenário internacional, os BESS têm se consolidado como peça fundamental para a transição energética. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), eles foram a tecnologia energética que mais cresceu mundialmente em 2023, com a implantação global dobrando anualmente[3]. Países como Estados Unidos, China, Chile, Austrália e Inglaterra já avançaram significativamente nesse setor. 

Nos Estados Unidos, por exemplo, a concessão de créditos fiscais – de até 50% para projetos comerciais e de 30% para baterias residenciais – incentivou a instalação tanto de grandes quanto de pequenos sistemas de armazenamento[4], a ponto de, em um pico noturno, as baterias terem fornecido mais de 6 GW de energia, superando outras fontes como, gás natural, nuclear e hidrelétrica[5].

O desafio tributário no Brasil

Apesar do potencial dos BESS, o crescimento desse segmento no Brasil enfrenta um grande obstáculo: a elevada carga tributária na importação desses equipamentos. Somente os tributos federais incidentes sobre a importação de baterias de lítio – Imposto de Importação, PIS/Cofins e IPI – somam uma alíquota total de 41%, sem contar tributos estaduais e outras etapas da implementação dos sistemas. 

Para efeito de comparação, usinas termelétricas a gás são beneficiadas por regimes especiais e incentivos fiscais – como a Lei Federal 10.312/01, que reduz a zero as alíquotas de PIS e Cofins na compra de gás natural, e a recém-aprovada Lei Estadual do Rio de Janeiro 10.456/24, que isenta o ICMS na aquisição de gás natural e concede diferimento na compra de máquinas no Rio de Janeiro.

Enquanto equipamentos como geradores fotovoltaicos e torres eólicas se beneficiam de uma carga tributária menor e de isenções específicas – como o Convênio ICMS 101/1997, que exclui o ICMS em operações com equipamentos de energia solar e eólica –, os BESS ainda não foram contemplados com as mesmas regras, dificultando a disseminação e a competitividade da tecnologia.

Possíveis soluções fiscais

O atual momento, marcado pela reforma tributária aprovada no país, é uma excelente oportunidade para discutir-se a desoneração dos sistemas BESS, ainda mais tendo-se em conta a inserção, no texto constitucional, da proteção ao meio ambiente como um dos vetores da reforma. 

Os principais players do setor já têm se reunido com o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Fazenda e parlamentares para buscar a inclusão dos BESS no Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura). Esse regime permite a suspensão de tributos, como PIS/Cofins, sobre equipamentos e serviços destinados à infraestrutura – e sua manutenção, agora estendida para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS)[6], é essencial.

Outra discussão importante é a necessidade de isenção ou ao menos redução significativa de ICMS para os equipamentos de armazenamento, a exemplo do que já ocorre com equipamentos de geração solar e eólica em convênios específicos do Confaz. Nesse ponto, há espaço para a aprovação de novos convênios ou extensão dos já existentes, de modo que os BESS sejam também contemplados.

O Brasil no caminho para a liderança

Mesmo diante dos desafios regulatórios e tributários, o Brasil possui condições únicas para se destacar no mercado de BESS na América Latina. Com uma matriz elétrica composta majoritariamente por fontes renováveis e abundância de recursos naturais, o país tem grande potencial para integrar essa tecnologia à sua cadeia produtiva, atendendo tanto à demanda interna quanto ao mercado externo.

Um sinal promissor é o Leilão para Suprimento aos Sistemas Isolados de 2024 (SISOL 2024), previsto para maio de 2025, que exige que pelo menos 22% da energia contratada seja proveniente de fontes renováveis. Essa medida demonstra um interesse crescente em alinhar a política energética com a sustentabilidade.

Alinhar políticas públicas, incentivos fiscais e regulamentações será essencial para fazer valer, na prática, o potencial dos BESS no Brasil. Exemplos internacionais mostram que, com medidas estratégicas de desoneração e estímulo, é possível transformar desafios em oportunidades.

Como escreveu certa vez Vincent Van Gogh, “grandes realizações não são feitas por impulso, mas por uma soma de pequenas conquistas”. Cada passo dado agora será fundamental para que o Brasil construa um setor energético mais eficiente, sustentável e preparado para o futuro.

Ao agir hoje, mirando o amanhã, o Brasil pode se consolidar na liderança global em geração da energia limpa, podendo, inclusive, desenvolver condições estruturais para se tornar um exportador de energia e atender a essa que é uma das maiores demandas do mundo atual. 


[1] Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Matriz elétrica brasileira alcança 200 GW. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2024/matriz-eletrica-brasileira-alcanca-200-gw. Acesso em: 8 jan. 2025.

[2] ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico. Revista PARPEL, n. 3, fev. 2024. Disponível em: https://www.ons.org.br/AcervoDigitalDocumentosEPublicacoes/Revista%20PARPEL%202023-3-Fev24%20VF.pdf. Acesso em: 8 jan. 2025. p. 31.

[3] INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Batteries and secure energy transitions: executive summary [Baterias e transições energéticas seguras: resumo executivo]. Paris: International Energy Agency, 2022. Disponível em: https://www.iea.org/reports/batteries-and-secure-energy-transitions/executive-summary. Acesso em: 6 jan. 2025.

[4] ESTADOS UNIDOS. Inflation Reduction Act, Pub. L. No. 117-169, de 16 ago. 2022. Lei relativa a investimentos em energia limpa e mudanças climáticas. Washington, D.C.: U.S. Congress, 2022. Disponível em: https://www.congress.gov/117/plaws/publ169/PLAW-117publ169.pdf. Acesso em: 6 jan. 2025.

[5] RENEW ECONOMY. Battery storage becomes biggest source of supply in evening peak in one of world’s biggest grids [Armazenamento de bateria se torna a maior fonte de suprimento no pico noturno em uma das maiores redes do mundo]. Disponível em: https://reneweconomy.com.au/battery-storage-becomes-biggest-source-of-supply-in-evening-peak-in-one-of-worlds-biggest-grids/#google_vignette. Acesso em: 6 jan. 2025.

[6]  SENADO FEDERAL. Reforma tributária mantém isenções para regimes aduaneiros especiais. Senado Notícias, 18 dez. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/12/18/reforma-tributaria-mantem-isencoes-para-regimes-aduaneiros-especiais. Acesso em: 6 jan. 2025.

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