De olho na caixa de ferramentas da PI: estratégia e fomento à inovação

Em outubro de 2024, publicamos aqui no JOTA uma série de cinco artigos sobre a edição 2024 do Índice Global de Inovação (Global Innovation Index ou GII na sigla em inglês). Divulgado anualmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) desde 2007, o ranking se tornou referência para definição de estratégias de inovação.

Não por acaso, cabe à OMPI, agência da ONU criada em 1967 para promoção e proteção de direitos de propriedade intelectual, a pesquisa e publicação do Índice Global de Inovação. Os direitos de propriedade intelectual estão conectados a processos, produtos e serviços inovadores.

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Com esse olhar, nesta estreia da coluna Propriedade Intelectual e Inovação, proponho trazer alguns dados sobre o sistema de PI que darão pontapé para futuras conversas.

Propriedade intelectual ou industrial?

Pode soar apenas questão semântica, mas propriedade intelectual é um conceito mais abrangente do que propriedade industrial. Conforme a própria OMPI, a propriedade intelectual é o conjunto de direitos relacionados a criações da mente humana (científicas, literárias, artísticas, símbolos, imagens, programas de computador).

Eles permitem que criadores obtenham reconhecimento e remuneração por suas criações. O elemento que une todos os direitos de propriedade intelectual é a novidade. A proteção só é possível se houver algo novo.

Na caixa de ferramentas da propriedade intelectual, portanto, existem diferentes instrumentos aptos a proteger criações específicas. Historicamente, no século 19, ela foi dividida em propriedade industrial e direitos autorais, muito em função da força das atividades industrial e comercial, em contraposição a segmentos artísticos e científicos da sociedade à época[1].

Sente-se até hoje o peso desta divisão no Brasil: há leis para direitos industriais, autorais e os novos direitos de PI que surgiram – software e cultivares (que protegem variedades vegetais melhoradas geneticamente), por exemplo[2]. No Judiciário, essa segmentação está refletida nas varas especializadas. Em São Paulo, a vara especializada de Direito Empresarial julga apenas casos relacionados aos direitos industriais da Lei 9.279/96[3].

O mesmo ocorre com a gestão fragmentada do tema pelo Executivo. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) responde por parte dos direitos de PI e está vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Direitos autorais, incluindo a indústria do entretenimento, estão submetidos ao Ministério da Cultura e à Ancine.

A proteção de cultivares se submete ao Ministério da Agricultura e Pecuária. E o combate à pirataria e contrafação – crimes contra direitos de propriedade intelectual – é matéria do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, vinculado ao Ministério da Justiça[4].

Note-se que as ferramentas desta “caixa da PI”, embora servindo para proteger ativos muito diferentes, trazem similaridades significativas. Primeiro, se não houver algo novo, em maior ou menor medida, não cabe proteção. Tal fato já estabelece a relação primordial dos direitos de PI com processos de inovação – por isso, direitos de PI são métricas da OMPI no levantamento do GII.

Outra similaridade importante: direitos de PI são temporários. Salvo raríssimas exceções, para toda proteção jurídica existe um prazo previsto em lei, normalmente harmonizado em tratados internacionais. Findo o prazo, é livre e gratuita a sua utilização e exploração, servindo de insumo para novos processos criativos.

Direitos de PI não são obrigatórios. Ou seja, a busca pela proteção é faculdade do criador, que pode buscar proteger juridicamente sua criação. O Estado oferece proteção jurídica em contrapartida da disponibilização da criação à sociedade.

Há situações em que esta proteção é importante (por vezes, crucial) para estratégia de determinada empresa ou setor. Em outros casos, pode ser mais interessante não buscar registro e, por exemplo, não dar informações ao concorrente. Neste caso, o chamado segredo industrial/comercial é eterno enquanto durar sua confidencialidade.

Direitos de PI são territoriais. Significa que a proteção de um direito de PI no Brasil não garante proteção em outro país e vice-versa. Há direitos que têm proteção extraterritorial garantida por tratados internacionais. Em outros casos, é necessário registro em cada um dos países que se entenda relevante ter este direito – o que requer boa estratégia para fazer valer o custo e esforço.

Economias com grande volume de registros de PI são tidas como mais relevantes – ali é mais importante proteger seus ativos da concorrência intensa. Países que oferecem ambiente institucional favorável à inovação se tornam mais propensos a contar com investimentos em P&D e à presença de empresas que dependem destes direitos, como também aponta o GII.

Propriedade intelectual e inovação

Direitos de PI são instrumentos aptos a proteger juridicamente ativos intangíveis economicamente relevantes. Há vantagens em fomentar estratégias, políticas, práticas e resultados a partir dessas ferramentas.

O GII e diversos outros estudos indicam que empresas e setores pautados pela proteção da PI são mais inovadores e mais desenvolvidos. Produtos e serviços inovadores geram maior valor agregado que commodities. Na economia do conhecimento e da inteligência artificial, a propriedade intelectual já traz muito mais valor do que ativos tangíveis, tal como as fábricas no século 19.

Estudo do INPI de 2021 trouxe dados relevantes sobre os setores intensivos em PI na economia brasileira, aqueles cujas “classes econômicas obtiveram, proporcionalmente em relação ao número de pessoas ocupadas em suas atividades, quantidade de concessões de ativos de PI maiores que a média”. Concluiu-se que a maioria dos setores intensivos possui mais de um ativo de PI protegido – denotando uma estratégia conjunta das ferramentas do sistema.

À época, os setores intensivos respondiam por 44,2% do valor adicionado bruto da economia nacional. Os 20 setores com maior valor adicionado bruto foram responsáveis por quase R$ 946 bilhões por ano, no triênio 2014-2016. Empregavam mais de 19 milhões de trabalhadores, cuja média salarial era 11% maior do que setores não intensivos.

A tendência se mantém. Recentíssimo estudo, publicado na última semana em colaboração entre MDIC, INPI e o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), “Contribuição Econômica das Indústrias Intensivas em Direitos de Propriedade Intelectual”[5], reforçou as mesmas conclusões: dentre 461 setores intensivos mapeados no Brasil entre 2017-2022, 54% contam com proteção de mais de um direito de PI. Tais setores empregam 56,9 milhões de trabalhadores (quase 40% da força de trabalho formal), adicionam 50,2% ao PIB e representam 64% das nossas exportações.

Esta tendência também é global. Neste janeiro de 2025, noticiou-se que a gigante do mercado de luxo LVMH se tornou a empresa mais valiosa da Europa, desbancando a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk[6]. A terceira colocada é a alemã SAP (tecnologia da informação). O que elas têm em comum? São empresas amparadas na proteção de seus ativos intelectuais: marcas, patentes, software e demais direitos existentes na caixa de ferramentas.

Pela ótica da governança pública, que se propõe a estimular o desenvolvimento tecnológico (vide metas da Nova Indústria Brasil), ou pelo olhar estratégico da iniciativa privada, considerar a propriedade intelectual como conjunto de ferramentas para fomentar inovação parece ser caminho adequado no século 21. Deixemos de lado, assim, olhares reduzidos para este sistema.

Em alta (janeiro de 2025)

  • Brasil: o INPI indicou estagnação no número de depósitos de patentes em 2024 (27 mil) e o menor número de concessões desde 2019 (12.914). Os EUA têm maior número de pedidos junto ao INPI (28%), seguidos dos pedidos nacionais (23%)[7].
  • A Petrobras anunciou ter 1.300 patentes ativas em 2024 e recorde no número de novas patentes em 2024 (178 no total)[8].
  • EUA: foram concedidas 324 mil patentes em 2024 (aumento de 3,8% no número total). Destas, 56% são de empresas americanas, seguidas por Japão e China[9].
  • A Samsung é a empresa que mais obteve patentes nos EUA em 2024, posição que sustenta há três anos (6.377 patentes). No ranking das 50+ empresas, a Apple é a empresa americana mais bem posicionada (4º lugar, 3.082 patentes).

[1] Esta divisão tradicional se ancorou nos primeiros tratados internacionais relevantes de propriedade intelectual. A Convenção de Paris de 1883 tratava de temas de PI voltados à indústria da época e a Convenção de Berna de 1886 fixou-se nos direitos autorais. Até hoje estes tratados estão em vigor e são administrados pela OMPI – o Brasil é signatário de ambos.

[2] Respectivamente as Leis Federais 9.279/96, 9.610/98, 9.609/98 e 9.456/97.

[3] Conforme informação do próprio tribunal disponível em https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=95356. Acesso 27.1.2025.

[4] No intuito de criar uma política uníssona e atuação estruturada para a matéria, surgiu a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual em 2021. Elaborada em parceria com a OMPI, a ENPI se propõe a coordenar e fortalecer o Sistema de Propriedade Intelectual com diferentes ações e eixos estratégicos, a serem executados em uma década. Mais informações na página da Estratégia Nacional, disponível em https://www.gov.br/propriedade-intelectual/pt-br/assuntos/estrategia-nacional-de-propriedade-intelectual. Acesso em 27.1.2025.

[5] Demais dados, incluindo sobre tecnologias verdes, constam do estudo publicado no site do INPI em 05.2.2025. Disponível em https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/estudo-mostra-impacto-de-direitos-de-propriedade-intelectual-na-economia-brasileira 

[6] Conforme reportagem da Fortune, disponível em https://fortune.com/europe/2025/01/20/lvmh-dethrones-novo-nordisk-europes-most-valuable-company-bernard-arnault-adds-12-billion-net-worth-2025/. Acesso em 27.01.25.

[7] Conforme Relatório Estatístico do INPI, disponível no site do instituto.

[8] Conforme reportagem do Globo, disponível em https://oglobo.globo.com/blogs/capital/post/2025/01/petrobras-bate-seu-novo-recorde-de-patentes.ghtml. Acesso 28.01.25.

[9] Dados dos EUA disponíveis em https://www.axios.com/2025/01/14/samsung-patents-list-chip-tech-huawei e https://www.ificlaims.com/rankings-trends-2024.htm. Acesso em 27.1.25.

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