Com vetos, marco das eólicas offshore é passo para transição energética no país

A conclusão da tramitação do texto das eólicas em alto mar, as offshore, é considerado um marco para a transição energética nacional. Até então sem qualquer legislação específica, o país necessitava, segundo especialistas, da regulação para a instalação de equipamentos na costa brasileira. 

Suely Araújo, professora do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), comemora o resultado da discussão. Para a também ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, a lei é enxuta, mas sem ser omissa em pontos relevantes.

“É uma lei que faz sentido, traz os assuntos principais. A opção no processo legislativo foi não entrar em detalhes. É uma lei de 25 artigos, mas faz referência ao planejamento espacial marinho, ao cuidado com as áreas com comunidades tradicionais com direitos, porque no mar também tem pescadores com direitos sobre determinadas regiões. São menções breves, mas importantes sobre os assuntos em que poderia haver conflitos”, afirma. 

De acordo com Suely, o projeto sancionado no início de janeiro leva o Brasil a dar mais um passo na direção da descarbonização. Especialmente depois dos vetos da presidência aos “jabutis” — matérias estranhas ao tema debatido e objeto central do texto original — que beneficiavam termelétricas a carvão e gás fóssil. 

O Projeto de Lei 576/21, mais conhecido como PL das eólicas offshore foi transformado, em 10 de janeiro, na Lei 15.097, de 2025. O marco regulatório foi sancionado e publicado no Diário Oficial da União (DOU). A medida estabelece normas para a geração offshore no país, incentiva o uso de fontes renováveis, como a eólica e a solar. Os 25 vetos ao texto ainda aguardam análise dos parlamentares em sessão conjunta do Congresso. 

A legislação define uma abordagem dupla: oferta permanente e oferta planejada. A primeira permite aos interessados propor áreas marítimas específicas, ou os chamados prismas, para a exploração sem a necessidade de licitação. O processo é o da autorização. Por outro lado, a planejada é um mecanismo por meio do qual as autoridades fixam os prismas para exploração com base no planejamento espacial. Essas áreas são destinadas à concessão, por meio de processo licitatório.

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“A lei é importante ao dar o fundamento para que as explorações estejam seguras tanto do ponto de vista jurídico, porque são contratações com a União, quanto para evitarem conflitos nas áreas em que o setor quer trabalhar. Tem previsão de empreendimento na costa toda e isso precisa estar bem delimitado por lei”, aponta Suely Araújo.

De olho no Brasil

Empresas do setor já demonstraram interesse elevado no Brasil diante do potencial importante de geração e por já ter uma indústria de energia eólica em terra, já com fatia relevante na matriz energética e fabricantes de equipamentos instalados no país.

A ideia da geração de energia eólica no mar parte do pressuposto de que os ventos são mais constantes e intensos do que em terra, além de a área ser mais ampla para abrigar parques eólicos, resultando no maior potencial de geração de energia. 

No Brasil, a matriz energética é diferente da mundial, cuja maior fonte é não-renovável. Potências como Estados Unidos ou China são dependentes de carvão. Somando lenha e carvão vegetal, hidráulica, derivados de cana, eólica e solar e outras renováveis, as renováveis totalizam 49,1%, quase metade da matriz energética brasileira. 

A matriz elétrica brasileira é ainda mais renovável do que a energética, com maior força da energia gerada por usinas hidrelétricas. A energia eólica vem ganhando espaço e já alcança 13,2% do total. “Do ponto de vista climático, você ter um reforço para as eólicas é bastante importante”, avalia Suely Araújo.

Segundo relatório do Observatório do Clima, o Plano Nacional de Energia, do Ministério de Minas e Energia (PNE) prevê ao menos 109 GW de capacidade instalada em 2050 no país, somando os dois modelos. Levando em conta apenas as usinas offshore, um relatório da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) em conjunto com a  Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e a Essenz Soluções estima uma capacidade instalada de pelo menos 15,5 GW até 2050. As duas projeções são conservadoras.

A projeção pelos próximos 25 anos ainda considera que a energia solar tende a crescer de forma contínua até 2035. Entretanto, a partir de então, haverá a aceleração da instalação dessas usinas, puxada pela maior viabilidade da operação offshore. 

Atualmente, os pedidos de licenciamento ambiental ao Ibama, feitos para empreendimentos de eólicas offshore, passam de uma centena. A maioria se concentra nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Muitas das solicitações se sobrepõem com poços de petróleo, cabos de internet, habitat de baleias e tubarões, rota de aves e abrigos de animais ameaçados.

“O problema é que você tem mais de 100 pedidos sem a possibilidade de realmente conceder essa licença porque as regras sobre a delimitação das áreas não estavam definidas, sobre quem tem direito e quais as condições. Isso não pode ser como um faroeste, em que você vai chegando e é de quem pediu primeiro”, explica Suely. 

Os requerimentos feitos ao Ibama aguardavam a aprovação do marco regulatório, mas a professora reforça que, mesmo com o texto finalizado, a instalação de eólicas offshore depende de medidas de regulamentação infralegais e desenvolvimento dos projetos. Isso levaria cerca de cinco anos.

Dentre os pontos principais da lei, está a previsão de autorização de instalação de parques eólicos no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileira, fixação de leilões para concessão de áreas. O processo seria dividido em duas fases, de avaliação e de execução, e definição de que as concessões deverão ser formalizadas por contratos de cessão de uso, regulados pelo governo federal.

Vetos

A nova lei teve origem em projeto apresentado em 2021 pelo ex-presidente da Petrobras e então senador Jean-Paul Prates (PT-RN). O texto original do projeto regulava apenas a exploração de energia offshore, mas, ao longo da tramitação na Câmara, foram incluídas as medidas de incentivo à contratação de termelétricas a carvão mineral e gás natural, os jabutis.

“Isso iria matar os benefícios do projeto, incentivando fontes fósseis de energia. A maior parte da nossa geração elétrica é feita com renováveis. Não está na hora, em plena crise climática, sendo 2024 o ano mais quente do mundo, de piorar isso. O veto foi fundamental”, avalia a professora. 

Os “jabutis”, caso mantidos, poderiam gerar um impacto de até R$ 440 bilhões, por meio de subsídios, na conta de luz, até 2050. O cálculo foi feito por entidades do setor. Segundo a consultoria PSR, isso significaria um aumento de 7,5% na conta pelos próximos anos.

Além disso, segundo uma nota técnica conjunta do Observatório do Clima e da Coalizão Energia Limpa, os trechos pró-combustíveis fósseis têm o potencial de emitir 274,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao longo dos próximos 25 anos. De acordo com as organizações, isso é semelhante à soma das emissões anuais do setor de transportes e da produção de combustíveis fósseis no país. 

Caso os vetos não sejam derrubados pelo Congresso, o Brasil passa a contar, na avaliação da docente, com uma legislação que integra um projeto de transição energética justa e equitativa. O que não significa que esteja isenta de riscos. A instalação de usinas eólicas offshore demandam, segundo Suely Araújo, atenção em diferentes pontos. 

“Tanto a parte ambiental quanto a parte social das comunidades potencialmente afetadas tem que estar bem regulamentadas. Não se pode colocar um monte de eólica offshore do lado de Abrolhos, por exemplo. A lei faz referência geral a áreas protegidas pela legislação ambiental. Há áreas marítimas protegidas”, diz. 

O licenciamento ambiental deve analisar, ainda, se a área desejada pelos empreendimentos não está dentro de área de migração de pássaros. Também estão impedidos prismas de exploração em áreas de exercícios das Forças Armadas. A outorga dos prismas pela União deverá observar as diretrizes de Planejamento Espacial Marinho (PEM) ou instrumento equivalente.

Outro ponto de atenção são regiões importantes para a pesca local e comunidades costeiras. Nestes casos, no entanto, as offshore se diferem das onshore. As primeiras são todas federais: as áreas de mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva são de atribuição de licenciamento do Ibama.

“Os licenciamentos ambientais das eólicas em terra, em geral, são estaduais e são feitos de forma bastante simplificada. Mas os principais problemas estão na pesquisa fundiária, do começo. As empresas já chegam explorando sem enxergar essas comunidades. É preciso sofisticar os licenciamentos”, afirma a professora.

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