Possíveis impactos fiscais do PL de regulamentação da IA no Brasil

O PL 2338/2023, recentemente aprovado pelo Senado, busca regulamentar o uso da inteligência artificial no Brasil e tem sido apresentado como um marco capaz de impulsionar avanços significativos na governança tecnológica e na proteção dos direitos fundamentais. Embora as discussões em torno do PL envolvam, principalmente, aspectos regulatórios e éticos, é igualmente importante destacar as implicações fiscais que o texto traz à tona.

Assim, este artigo examina como as disposições do PL podem afetar, direta ou indiretamente, as empresas que desenvolvem, distribuem e aplicam IA, tanto sob a ótica dos custos de compliance quanto em relação ao impacto à competitividade do setor.

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Definição de sistema de IA e repercussões tributárias

De acordo com o art. 4º do PL 2338, sistema de inteligência artificial é definido como “sistema baseado em máquina que, com graus diferentes de autonomia e para objetivos explícitos ou implícitos, infere, a partir de um conjunto de dados ou informações que recebe, como gerar resultados, em especial previsão, conteúdo, recomendação ou decisão que possa influenciar o ambiente virtual, físico ou real”.

Considerando o conceito de serviço adotado pelo Supremo Tribunal Federal em disputas recentes sobre a extensão da incidência do ISS, pode-se dizer que a definição acima sugere que atividades envolvendo IA possuem natureza predominantemente de prestação de serviços.

Sob essa ótica, poderiam ser classificadas como processamento de dados para fins de tributação pelo ISS. Contudo, é importante notar que o modelo de negócio, o formato de contratação e a precificação dos serviços podem alterar essa classificação, o que exige análise específica de cada caso.

Essa possível classificação, entretanto, tende a perder relevância com a introdução do IBS e da CBS, tributos que substituirão o ISS e outros tributos indiretos a partir de 2026. A unificação tributária simplificará a conformidade fiscal, eliminando a necessidade de empresas classificarem minuciosamente suas atividades. Ainda assim, durante o período de transição, em que o ISS e o ICMS continuarão coexistindo, as empresas devem adotar uma estratégia cautelosa para mitigar riscos e assegurar a adequação fiscal dos seus produtos e serviços.

Remuneração de detentores de direitos autorais e impactos fiscais

O art. 65 e seguintes do PL 2338 trata da remuneração de detentores de direitos autorais em contextos envolvendo IA. Especificamente, esse artigo determina que o agente de IA que utilizar conteúdos protegidos por direitos de autor e conexos em processos de mineração, treinamento ou desenvolvimento de sistemas de IA deve remunerar os titulares desses conteúdos em virtude dessa utilização.

Da leitura do PL, pode-se perceber que os pagamentos realizados pelas empresas poderão ser classificados como remunerações pela licença de uso de direitos autorais. Sendo o caso, haveria bons argumentos para afastar a incidência do ISS, considerando que se trata de uma cessão de direitos intelectuais e não de uma prestação de serviços. No entanto, com a implementação do IBS e da CBS, esses pagamentos poderão ser tributados — desde que o licenciador de direitos possa ser considerado sujeito passivo desses novos tributos.

Além disso, as empresas de IA que efetuam esses pagamentos poderão argumentar que eles são dedutíveis, desde que sejam comprovados como essenciais, necessários e usuais para a atividade empresarial. Paralelamente, enquanto durarem as contribuições para o PIS e a Cofins no período de transição para o IBS e a CBS, também seria possível defender que esses pagamentos sejam creditáveis como insumos, uma vez que são facilmente identificáveis como essenciais e relevantes às atividades das empresas do setor.

A regulação de sistemas de IA de alto risco e possíveis custos tributários

Um dos pontos de destaque trazidos pelo PL 2338 é a classificação de determinados sistemas de IA como “de alto risco” (art. 14). Esses sistemas estarão sujeitos a obrigações específicas, como avaliações de impacto algorítmico (art. 25) e implementação de medidas robustas de governança (art. 18).

Para as empresas de IA, essas exigências podem representar custos adicionais relacionados à adaptação de processos internos e à contratação de profissionais especializados, como auditores de algoritmos e consultores regulatórios.

Além disso, a fiscalização dessas obrigações pelo Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA) pode incentivar a criação de taxas ou contribuições específicas para custear tais atividades (art. 45). Setores como o de audiovisual, com a Condecine, o de telecomunicações, com o Fistel, e o de combustíveis, com a Cide, ilustram precedentes de cobrança direcionada para financiar atividades de fiscalização.

Ainda que o PL não preveja expressamente a criação de encargos nesse sentido, empresas de IA devem estar preparadas para a possibilidade de encargos adicionais similares, que podem impactar o planejamento financeiro e a competitividade.

Benefícios fiscais e incentivos para inovação

O PL 2338 propõe a criação de “sandboxes regulatórios” (art. 55) que ofereçam às empresas um ambiente experimental para desenvolver e testar novas soluções tecnológicas sob condições regulatórias simplificadas. Para startups e empresas estabelecidas, essa medida pode mitigar os custos iniciais de conformidade. No entanto, a ausência de garantias claras sobre incentivos fiscais dentro do PL gera incertezas quanto à viabilidade econômica desse modelo.

Dado o rigor do novo regime tributário, com limitações impostas pela reforma tributária ao IBS e à CBS, as empresas do setor, via de regra, não estarão sujeitas a benefícios fiscais ou regimes diferenciados. Isso significa que a obtenção de benefícios fiscais pode se concentrar em tributos como o imposto de renda ou, enquanto vigentes, o ISS e o ICMS.

A possibilidade de acesso a tais benefícios dependerá de estratégias bem elaboradas e alinhadas às prioridades governamentais, como o incentivo ao letramento digital, mencionado no art. 70 do PL. Desse modo, durante a transição para o novo regime tributário, será essencial um planejamento minucioso para aproveitar essas oportunidades e mitigar os riscos associados.

Outro ponto de destaque é a possibilidade de deduções fiscais para compensar custos operacionais relacionados à governança de IA. Empresas que investirem em mecanismos robustos de governança e transparência podem argumentar que esses custos devem ser tratados como investimentos em inovação. Além disso, a depender das características específicas do modelo de negócio adotado, tais empresas poderiam ser potencialmente elegíveis para deduções fiscais sob a Lei do Bem ou regimes similares.

Considerações finais

O PL 2338 representa um marco na regulamentação da IA no Brasil, com potenciais implicações que vão além das questões éticas e regulatórias. Sob o prisma fiscal, o texto demanda das empresas um olhar estratégico, ao prever potenciais encargos para custear fiscalização e exigir investimentos em governança, apresentando tanto desafios quanto oportunidades.

A iminente implementação do IBS e da CBS em 2026 reforça a necessidade de ajustes nos modelos de negócios para assegurar eficiência tributária e conformidade. Durante o período de transição, as empresas devem aproveitar oportunidades como deduções fiscais e incentivos à inovação, enquanto gerenciam riscos e evitam passivos.

Mais do que se adaptarem ao PL, as empresas devem ficar atentas e adotar uma postura proativa: avaliar a legalidade de possíveis cobranças, contestá-las quando necessário e dialogar com o poder público. Esse posicionamento, combinado com investimentos em governança e inovação, permitirá que o setor de IA no Brasil não apenas se ajuste, mas também prospere em um mercado global competitivo.

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