Provimento 188 do CNJ pode afetar negócios imobiliários

Em 10 de dezembro de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento 188, que institui a nova Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) 2.0. A plataforma tem como objetivo centralizar as ordens de indisponibilidade de bens específicos ou de patrimônios em geral, além de gerenciar solicitações de cancelamento dessas indisponibilidades.

O Provimento também modifica o Código Nacional de Normas (Provimento 149/2023), introduzindo mudanças significativas nas transações imobiliárias, que impactam diretamente princípios fundamentais do Direito Registral Imobiliário.

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Segundo o parágrafo 3º do artigo 320-I do novo provimento, uma ordem de indisponibilidade de bens prenotada posteriormente ao ingresso de um título no fólio registral impede o registro de títulos, mesmo que anteriormente prenotados, salvo disposição judicial em contrário.

Referida disposição contrasta diretamente com o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel, previsto nos artigos 54 a 58 da Lei 13.097/2015, que visa garantir segurança aos adquirentes de boa-fé, tornando inoponíveis atos não registrados na matrícula do imóvel, e também com o princípio da Prioridade previsto no artigo 186 da Lei 6.015/1973, qual determina que a prioridade dos direitos reais estará condicionada a ordem de apresentação dos títulos no fólio registral. Nesse sentido, nas palavras de Afrânio de Carvalho:

“O princípio de prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: pior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”.[1]

Essa mudança afetará significativamente a segurança das transações imobiliárias. Mesmo que não sejam identificadas restrições na CNIB previamente a assinatura do instrumento de transmissão da propriedade do imóvel, uma ordem de indisponibilidade emitida posteriormente pode impedir o registro do título, comprometendo o negócio jurídico que fora celebrado quando não havia qualquer óbice no fólio registral.

Ou seja, uma operação celebrada e prenotada no Oficial de Registro de Imóveis competente, enquanto o imóvel não tenha nenhuma restrição ou prenotação anterior válida[2], poderá sofrer impactos de ordens de indisponibilidades de bens até que seja efetivado o registro da transmissão, em detrimento do Princípio da Prioridade.

É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula 375, estabelece que o reconhecimento de fraude à execução depende do registro da constrição sobre o bem ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Portanto, a alteração proposta pelo CNJ vai em desencontro com o atual posicionamento do STJ, bem como com às inovações jurídicas que visam a proteção do adquirente de boa-fé.

A medida faz com que os atos de registro devam ser ainda mais priorizados, criando uma verdadeira corrida contra o tempo após assinatura do título translativo de propriedade e a efetiva transferência da propriedade tabular ao adquirente.

Por fim, é imprescindível que as aquisições imobiliárias contem com um processo rigoroso de due diligence, uma vez que a indisponibilidade de bens, ainda que noticiada em momento posterior ao ingresso do título translativo de propriedade terá a capacidade de afetar negativamente o negócio jurídico celebrado.


[1] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 191.

[2] O Princípio da Prioridade também não significa que todos os títulos devam ser registrados sempre na mesma ordem em que prenotados. E isso é evidente quando se observa que na prática títulos são devolvidos diariamente para ser corrigidos, devoluções são contestadas em processos administrativos e judiciais, atrasando o registro desses documentos, o que não poderia impedir o registro de todos os outros títulos prenotados posteriormente, incluindo os que nenhuma relação tenha com aqueles, por apenas terem sido apresentados posteriormente. Somente títulos contraditórios, ou seja, que envolvam o mesmo imóvel e gerem direitos concorrentes estão subordinados à rigorosa ordem de prenotação. Konno, Alyne Y. Registro de Imóveis, Teoria e Prática, 2ª ed. São Paulo: Memória Jurídica Editora, p. 29.

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