PNCP: entre a promessa de transparência e os desafios de implementação

Uma das principais novidades contidas na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021) é o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), disciplinado a partir do art. 174 daquele diploma e destinado à centralização de informações e à publicidade dos relevantes atos praticados na condução das contratações públicas brasileiras.

O objetivo fundamental do PNCP nos parece ser claro: centralizar e ampliar a publicidade, diminuir a assimetria informacional e viabilizar o exercício do controle interno, externo e social das contratações públicas.[1]

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

No entanto, será que o Portal Nacional está cumprindo o objetivo de transformar a prática da transparência nas contratações públicas ou tornou-se mais um desafio burocrático para a Administração Pública?

Essa dúvida é central quando analisamos os achados contidos no relatório e voto do ministro Benjamin Zymler, que foi condutor do Acórdão 53/2025, prolatado pelo plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), no âmbito do qual foram revelados problemas estruturais e significativos no emprego dessa importante ferramenta.

Acentuadas falhas na qualidade dos dados

O TCU apontou que 86,4% dos registros do PNCP apresentam inconsistências, números que incluem a ausência de informações obrigatórias, registros duplicados e valores homologados absurdamente superiores aos estimados.

Em um caso emblemático exemplificado no relatório, valores registrados na casa dos bilhões foram corrigidos para milhões após auditoria, expondo graves falhas de lançamento e validação dos dados.

Esse cenário não apenas pode comprometer a confiança no Portal Nacional, como também dificulta o controle social e a fiscalização das contratações públicas brasileiras.

Isso ocorre porque dados errados ou incompletos influenciam nas análises de custo-benefício, criam barreiras à uniformização de contratações e ao controle social, além de potencializar os prejuízos financeiros e prejudicar a credibilidade do sistema de compras governamentais.

Desse modo, a ausência de qualidade e fidedignidade dos dados e informações no PNCP tem impedido que o instrumento possa ser uma garantia de eficiência, transparência e rastreabilidade das contratações públicas.

Problemas estruturais do PNCP

Além das inconsistências nos dados, o relatório do TCU destacou a ausência de funcionalidades básicas no portal, sendo que uma das principais críticas é a falta de alertas que impeçam o cadastro de valores incompatíveis ou até mesmo o uso de modalidades incompatíveis em determinados casos, permitindo que erros críticos passem despercebidos.

Um exemplo disso foi a identificação de uso do Sistema de Registro de Preços (SRP) associado a uma modalidade de licitação inadequada (leilão) ou combinado com outros procedimentos auxiliares (PMI, credenciamento e pré-qualificação).

Ainda que o portal forneça informações de forma agregada, apresentando listagem das contratações realizadas, com seus tipos e valores, e disponibilizando documentos da licitação em arquivos no formato PDF, não é possível extrair informações classificadas por tipo de objeto contratado (bem ou serviço) ou de verificar o histórico de contratação de um determinado item por órgão ou entidade, o que impede a obtenção de inferências automatizadas, bem como limita a análise comparativa e a avaliação de eficiência das contratações.

Possíveis soluções para correção das inconsistências

Para que o PNCP cumpra seu papel transformador, é urgente a adoção de medidas corretivas. Entre as ações prioritárias estão a incorporação de validações automatizadas, que detectem e impeçam registros incorretos, a melhoria da interface para tornar a navegação intuitiva e os dados mais acessíveis, o investimento na capacitação de gestores públicos responsáveis pela alimentação do sistema e a padronização das plataformas públicas e privadas que interagem com o PNCP.

O PNCP é, sem dúvida, uma inovação necessária no campo das contratações públicas, mas sua eficácia está diretamente ligada à capacidade de superar os desafios de operacionalização identificados pelo TCU, assim como a falta de recursos técnicos e financeiros, notadamente em municípios de pequeno porte, que representam ao redor de 70% das municipalidades brasileiras.

A resolução dessas questões depende de um forte engajamento da alta administração para vencer todos os obstáculos, permitindo, desse modo, que a ferramenta entregue o que promete: transparência efetiva, controle social robusto e contratações mais eficazes e vantajosas para o poder público.

Sem os ajustes estruturais e operacionais necessários, a pergunta inicial continuará sem a resposta positiva almejada. Afinal, o PNCP será um instrumento de transformação ou apenas mais um desafio no labirinto da burocracia brasileira?


[1] Tais aspectos foram discutidos em artigo sobre o tema, que publicamos em coautoria com a Dra. Stella Claudio Gioielli nos Cadernos da Escola Paulista de Contas Públicas, intitulado: “O Portal Nacional como Meio de se Garantir a Ampla Transparência e Simetria de Informações nas Contratações Públicas”. O trabalho pode ser acessado em: https://www.tce.sp.gov.br/epcp/cadernos/index.php/CM/article/view/202.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.