A reforma tributária e o mecanismo de split payment

A introdução do mecanismo de split payment (pagamento fracionado) na reforma tributária brasileira, prevista pela Emenda Constitucional 132/2023, representa uma das mudanças mais audaciosas e significativas para o sistema tributário nacional.

Este modelo, amplamente adotado em países europeus, promete modernizar a arrecadação fiscal e combater a fraude, oferecendo uma oportunidade única para melhorar a eficiência tributária. No entanto, a sua implementação no Brasil exige uma análise cuidadosa das experiencias e lições internacionais, de modo a maximizar os benefícios e evitar custos excessivos, especialmente para os pequenos e médios empresários.

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O split payment é um modelo de arrecadação no qual o pagamento do imposto ocorre no momento da transação, diferente do modelo tradicional no qual o fornecedor recebe o valor total da transação (incluindo os impostos) e repassa, posteriormente, o imposto devido ao fisco. No split payment, a transação é dividida: o imposto é transferido diretamente para a autoridade fiscal, enquanto o fornecedor recebe apenas o valor líquido da operação.

A Emenda Constitucional 132/2023 estabelece o recolhimento do imposto no momento da “liquidação financeira da operação” (art. 156-A, § 5º). Enquanto o PLP 68/2024, que regulamenta a reforma, define três modalidades de split payment: inteligente, simplificada e manual, adequando-se aos diferentes meios de pagamento, como Pix, boleto e cartões.

O split payment tem grande potencial para combater fraudes fiscais, como o fenômeno da “missing trader fraud”, no qual o fornecedor cobra o imposto, mas não o repassa ao fisco. Este mecanismo visa reduzir a lacuna do IVA, aumentando a transparência e garantindo que o imposto seja pago diretamente ao governo.

Entretanto, a implementação do split payment pode acarretar custos administrativos elevados. A burocracia adicional para empresas e órgãos públicos pode aumentar os custos operacionais e impactar especialmente o fluxo de caixa das pequenas e médias empresas. A experiência internacional sugere que, embora o sistema seja eficaz, ele exige uma infraestrutura robusta e altos custos de implementação.

Lições da experiência internacional

A experiência de países europeus como Polônia, Itália e Bulgária oferece lições cruciais para o Brasil.

Na Bulgária, o mecanismo foi adotado em 2003 como uma medida contra fraudes fiscais, mas foi abandonado em 2007 devido aos elevados custos administrativos e à falta de resultados substanciais na arrecadação. Este retrocesso destaca a importância de uma implementação cuidadosamente planejada e ajustada.

A Itália, por outro lado, iniciou a adoção do split payment de forma gradual, começando com transações B2G (Business to Government) em 2015. A medida provou ser eficaz na redução da evasão fiscal, embora tenha gerado um aumento nos custos administrativos.

Recentemente, a Comissão Europeia autorizou a Itália a estender a aplicação do split payment para empresas estatais, empresas listadas no Índice FTSE MIB (índice da bolsa italiana) e empresas controladas por órgãos públicos locais. Esse mecanismo tem mostrado uma redução significativa da fraude fiscal em transações com entidades públicas, mas ainda há áreas não cobertas pela legislação que precisam de atenção.

A Polônia foi pioneira na aplicação do split payment em 2018, para transações B2B em setores específicos, como construção e metais. O país implementou um sistema com um prazo reduzido para o reembolso do IVA excedente (25 dias), equilibrando a eficácia fiscal com o controle sobre o impacto no fluxo de caixa das empresas. A experiência polonesa serve como modelo para o Brasil, que deve equilibrar a eficiência fiscal com a complexidade administrativa.

Desafios para o Brasil

A implementação do split payment no Brasil exige uma análise detalhada da viabilidade dentro do contexto fiscal nacional, que é complexo e multifacetado. O sistema tributário brasileiro, com seus múltiplos impostos e contribuições, representa um desafio significativo, especialmente para pequenas e médias empresas, que já enfrentam uma carga burocrática considerável.

A experiência internacional aponta que a implementação do split payment deve ser gradual e focada em setores com maior risco de fraude fiscal. Além disso, é essencial que o modelo seja adaptado às necessidades específicas do Brasil, garantindo que o sistema seja eficiente sem sobrecarregar ainda mais os contribuintes.

Necessidade de refinamento e adaptação

O split payment tem grande potencial para reduzir a fraude fiscal e melhorar a arrecadação, mas sua implementação no Brasil exige um planejamento estratégico para equilibrar seus benefícios com os custos administrativos elevados. A experiência internacional evidencia que, embora o modelo seja eficaz na teoria, os custos associados, como o impacto no fluxo de caixa das empresas, podem superar os ganhos se a sua aplicação for indiscriminada.

O PLP 68 trouxe avanços, mas ainda há necessidade de ajustes para adaptar o modelo às particularidades do sistema tributário brasileiro. Sua adoção deve ser gradual e focada, priorizando setores com maior risco de fraude fiscal. Isso garantirá que os benefícios superem os custos, tanto para o Estado quanto para os contribuintes.

Portanto, países como Polônia e Itália oferecem exemplos valiosos sobre a implementação cuidadosa do split payment. O Brasil pode aprender com essas experiências.

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