Desafios regulatórios no Brasil financeirizado

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma transformação expressiva em seu setor financeiro, impulsionada pela digitalização e pelo crescimento das fintechs. Essa expansão tem sido acompanhada pela financeirização da economia, caracterizada pela predominância de atividades especulativas e de curto prazo em detrimento de investimentos produtivos e de longo prazo. Nesse contexto, surge a necessidade de uma regulação robusta e adaptável, capaz de equilibrar a inovação tecnológica com a segurança financeira e a inclusão social.

Desde a promulgação da Lei 12.865, em 2013, que estabelece o marco regulatório para arranjos de pagamento, o Brasil busca criar um ambiente propício para a inovação financeira. Esse avanço regulatório teve como um de seus principais objetivos a modernização do sistema financeiro e o incentivo à concorrência, sobretudo através da facilitação para o surgimento e operação das fintechs.

Entretanto, a implementação e adaptação dessas normas têm se mostrado desafiadoras, especialmente para as instituições tradicionais, que precisam se adequar a um ambiente de rápida transformação digital.

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Nesse cenário de transformação, a inclusão financeira e digital no Brasil tem apresentado avanços significativos, impulsionados pela digitalização dos serviços financeiros e pela popularização de tecnologias como o Pix e o Open Banking. O gráfico a seguir ilustra a evolução da inclusão financeira, bem como o aumento das transações realizadas por celular e internet banking entre os anos de 2018 e 2020. 

Entretanto, cabe destacar que o período posterior à pandemia da Covid-19, trouxe um impulso ainda maior ao uso de tecnologias digitais. Dados apontados no Relatório de Cidadania Financeira de 2021 do Banco Central indicam que, só em 2020, houve crescimento acentuado de quase 10% ao longo do ano, da quantidade pessoas com acesso ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) no Brasil. Dados mais recentes provavelmente demonstrariam uma intensificação desse crescimento, sobretudo com a consolidação de serviços como o Pix e o aumento da digitalização de serviços financeiros.

Esse crescimento também traz desafios significativos para a regulação do setor. Um dos pontos críticos desse processo regulatório é a necessidade de garantir um equilíbrio entre a promoção da concorrência e a mitigação dos riscos sistêmicos que podem comprometer a segurança das transações e a proteção dos dados dos usuários.

Para lidar com esses desafios, a estratégia do sandbox regulatório tem sido utilizada como uma ferramenta para permitir que startups testem inovações em ambientes controlados. Apesar de sua relevância, essa abordagem ainda enfrenta limitações significativas, como a necessidade de ajustes que a tornem mais inclusiva e eficaz na promoção de um ecossistema financeiro sustentável e seguro.

Ademais, a financeirização no Brasil acentua as desigualdades sociais ao canalizar recursos para atividades especulativas que beneficiam, em grande medida, os detentores de capital financeiro. Com o foco na maximização de lucros no curto prazo, grandes instituições e fundos de investimento tendem a reduzir o financiamento de setores produtivos e o apoio ao desenvolvimento econômico de longo prazo.

Esse desvio de recursos contribui para um ciclo vicioso: enquanto os investidores acumulam riqueza por meio de operações financeiras, as camadas mais vulneráveis da população permanecem excluídas do sistema financeiro formal. Nesse contexto, a regulação precisa não apenas focar na estabilidade do sistema, mas também criar mecanismos que promovam a inclusão social e a equidade.

Outro desafio importante é o papel das agências reguladoras e do Banco Central na supervisão das novas tecnologias financeiras. A implementação do Pix e o avanço do Open Banking são exemplos de políticas que visam aumentar a inclusão financeira e oferecer mais opções aos consumidores. No entanto, esses novos serviços requerem monitoramento constante para garantir que se mantenham seguros e que protejam a privacidade dos dados dos usuários.

A complexidade desse monitoramento é ampliada pela rápida evolução das tecnologias e pelo potencial de vulnerabilidades digitais, que, se não forem adequadamente geridas, podem comprometer a confiança no sistema financeiro.

Por fim, uma estratégia regulatória voltada à financeirização deve considerar também os impactos ambientais e sociais das atividades financeiras. Investidores institucionais e empresas de capital aberto têm cada vez mais pressionado o setor financeiro a integrar práticas de responsabilidade socioambiental em suas operações.

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Nesse sentido, a regulação precisa incentivar um modelo de finanças sustentáveis que não se limite ao lucro, mas que contribua ativamente para o desenvolvimento sustentável. Isso inclui fomentar investimentos em energias renováveis, infraestrutura verde e iniciativas sociais, alinhando os interesses de investidores e sociedade.

Em suma, a regulação no Brasil enfrenta o desafio de conciliar os avanços da financeirização com a necessidade de estabilidade financeira, proteção ao consumidor e promoção da inclusão social. À medida que o setor financeiro evolui, o arcabouço regulatório também precisa se adaptar, buscando uma abordagem equilibrada que permita o crescimento sustentável do sistema financeiro, sem negligenciar a segurança e o bem-estar da sociedade como um todo.


BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Cidadania Financeira 2021. Brasília, 2021. Disponível em: http://www.bcb.gov.br. Acesso em: 9 nov. 2025.

BIP BRASIL. Desafios regulatórios das instituições de pagamento no Brasil. 2023. Disponível em: https://bipbrasil.com.br/desafios-regulatorios-das-instituicoes-de-pagamento-no-brasil/. Acesso em: 9 de nov. 2024.

LAPYDA, I. A financeirização impede diminuição das desigualdades sociais e o crescimento econômico sustentado. IHU, 2024. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/602916-a-financeirizacao-impede-diminuicao-das-desigualdades-sociais-e-o-crescimento-economico-sustentado-entrevista-especial-com-ilan-lapyda. Acesso em: 9 de nov. 2024.

UEDA, M.F.S. Desafios regulatórios no setor financeiro: uma análise das transformações promovidas por fintechs. Revista de Defesa da Concorrência, 2020.

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