Receita Federal reconhece que distribuição de software não paga Cide

Foi publicada recentemente a Solução de Consulta Cosit 177, de 24/6/2024, na qual a Receita Federal se manifestou sobre a tributação das remessas efetuadas ao exterior em pagamento pelo licenciamento de direitos de comercialização e distribuição de software na modalidade de Software as a Service (SaaS).

A SC Cosit 177/24 definiu que se trata de pagamentos de royalties sobre os quais:

  • incide o IRRF à alíquota de 15%;
  • não incide a Cide em razão da regra prevista na legislação que afasta a incidência da contribuição nas operações com software sem transferência de tecnologia, e;
  • não incide o PIS/Cofins-Importação por se tratar de royalties (e não de serviços), ressalvada a incidência sobre eventuais valores referentes a serviços conexos contratados.

Especificamente no tocante à Cide, que será objeto de análise do presente artigo, a SC Cosit 177/24 traz um importante desdobramento do tema, bastante disputado entre fisco e contribuintes, ao reconhecer a não incidência da contribuição nos termos do § 1º-A, do artigo 2º, da Lei 10.168, de 29/12/2000, que dispõe que a contribuição “não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia”.

Em linhas gerais, o caso analisado envolvia remessas ao exterior em contraprestação à licença de comercialização e distribuição de plataforma de conteúdos educacionais desenvolvida por pessoa jurídica domiciliada nos Estados Unidos para clientes domiciliados no Brasil. Nesse caso, a empresa estrangeira disponibiliza cursos em infraestrutura/plataforma computacional mantida em nuvem (SaaS), mediante plataforma que congrega diversos módulos educacionais e contém cursos desenvolvidos por empresas diversas.

Nos fundamentos apresentados, a SC Cosit 177/24 menciona a Solução de Consulta Cosit 342, de 26/6/2017 (SC Cosit 342/17), que analisou a atividade realizada por empresa de fornecimento de cópias de aplicativos padrão via download e de licenças para uso de softwares produzidos por fornecedores no exterior, sem envolver a transferência de tecnologia.

Naquela oportunidade, foi reconhecida a não incidência da Cide sobre a “remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador não sofre a incidência da Cide, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia”.

Contudo, vale ressaltar que, apesar de a ementa da SC Cosit 342/17 dispor que a licença de uso não está sujeita à incidência da Cide, esse tema não foi objeto de análise nos fundamentos dessa manifestação da Receita Federal, que se limitaram à análise da incidência do IRRF e das contribuições ao PIS/Cofins-Importação.

Em relação especificamente à licença de uso, ainda em 2017, as autoridades fiscais se manifestaram por meio de outra Solução de Consulta (SC Cosit 191/17), que analisou a tributação de remessas decorrentes da aquisição de direitos para comercializar “autorizações de uso e acesso” de SaaS.

Nessa oportunidade, a Receita Federal entendeu que a empresa brasileira seria faturada pela licença de uso desse software, e não pelo direito de sua comercialização e distribuição, o que caracterizaria uma operação de prestação de serviços, e não do pagamento de royalties, atraindo a incidência da Cide por prestação de serviços técnicos. A justificativa para esse enquadramento foi de que os serviços dependem de conhecimentos especializados em informática e de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico.

Em que pesem os argumentos existentes para afastar a incidência da contribuição também sobre a licença de uso de SaaS nas situações em que não houver transferência de tecnologia, já que a não incidência da contribuição prevista na legislação abrange expressamente operações dessa natureza (§ 1º-A, do artigo 2º, da Lei 10.168/00), é crucial que os contratos, faturas e demais documentos descrevam de forma clara e precisa a natureza da contratação para evitar a cobrança da Cide nessas hipóteses envolvendo software sem transferência de tecnologia.

De qualquer maneira, quanto à nova SC Cosit 177/24, parece ter a Receita Federal consolidado o entendimento de que as remunerações pagas pela licença para comercialização ou distribuição de software (seja qual for a sua modalidade, i.e., download, nuvem etc.) não estão sujeitas à Cide por expressa previsão legal, excetuados os casos em que há transferência de tecnologia (i.e., transferência do código-fonte desses softwares).

Por fim, mais do que isso, essa nova manifestação confirma a legitimidade dos contratos de licença de distribuição de software celebrados por empresas estrangeiras com as empresas brasileiras para fornecimento local do produto, assegurando que as práticas adotadas estão em conformidade com a legislação tributária, proporcionando um ambiente de negócios mais previsível e seguro, minimizando riscos fiscais e evitando penalidades.

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