O acordo China-EUA é motivo de atenção para o governo e o setor produtivo brasileiros. Pode fechar janelas de oportunidade que vinham sendo abertas no mercado chinês e até espaços que já haviam sido conquistados, sobretudo no agronegócio (com destaque para a soja).
O entendimento entre as duas maiores economias do mundo tem como pano de fundo o imenso déficit comercial americano. E o único setor com volume suficiente para reduzir esse déficit é o agro, onde EUA e Brasil concorrem.
A China certamente não faria essa troca de fornecedores com tranquilidade, pois sabe que o Brasil é parceiro confiável. A aproximação entre os dois países nesses últimos anos (Lula está em Pequim em segunda visita de Estado neste terceiro mandato; Xi já fez uma) tem buscado justamente relação mais duradoura e estabilidade. A China é o maior parceiro comercial brasileiro e tornou-se um de seus maiores investidores.
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Mas Pequim pode não ter alternativa e ver-se obrigada a abrir caminho para produtos agrícolas americanos, se quiser destravar o comércio com os EUA e desafogar seus exportadores, que começam a sentir o tarifaço na carne. Como em 2017, a soja, tende a ser moeda de troca.
Os chineses poderiam até comprar produtos com maior valor agregado dos EUA, como itens de tecnologia e defesa, que envolvem propriedade intelectual. Mas certamente não é o que Washington vai querer, por questões de segurança.
Lula está na China neste momento, o que pode ser bom para o Brasil. “Tanto para amenizar o impacto para o Brasil, que é um parceiro estratégico e de confiança, quanto para nos resguardar, no médio e longo prazos, de oscilações adicionais no comércio internacional. A maior exposição do capital chinês ao Brasil é a melhor forma de garantir alinhamento de interesses de forma mais longeva”, disse ao JOTA a especialista Larissa Wachlolz, sócia da Vallya Participações.
Ou seja, a potencial má notícia é que chineses talvez se vejam obrigados a ceder espaço para produtos agrícolas americanos nas negociações em curso. A potencial boa notícia é que existe perspectiva de que o façam com mais cautela de olho na manutenção da relação próxima.
Este seria sinal importante de Pequim, uma demonstração de até onde pretende ir para manter-se próxima de fato. Uma das demandas que Lula voltou a levar à China nesta viagem é a redução da assimetria no comércio bilateral. A pauta brasileira de exportações está concentrada em commodities.
Os chineses têm demonstrado crescente interesse no Brasil, sobretudo diante das várias pautas de interesse comum, no âmbito do BRICS e da COP 30 inclusive. Aliás, a administração Trump 2.0 encarregou-se de fortalecê-las inclusive.
Mas não é só isso. O Brasil seguirá sendo o maior fornecedor de alimentos da China, que aumentou seus investimentos na infraestrutura para a exportação do agronegócio brasileiro. A Cofco, por exemplo, expandiu o terminal do Porto de Santos recentemente.
O Brasil é porta de entrada importante da China na América Latina, por se tratar de sua maior economia e fornecedor de recursos naturais, energia e alimentos. É relevante dos pontos de vista econômico e geopolítico. Vamos lembrar que EUA e China disputam espaço na região e que os americanos vêm insistindo em menos exposição dos latino-americanos aos chineses. Fizeram recentemente com o Chile, como relataram fontes da equipe do presidente Gabriel Boric.
O Palácio do Planalto tem feito questão de dizer que não vai se lançar nos braços da China, apesar dos múltiplos encontros em Lula e Xi, e de três visitas de Estado. Diz que a Ásia é mais do que a China. Isso é um recado para Pequim. Diante dos sinais que tem sido dados pelos EUA ao Brasil, pode ser a China seja alternativa mais crível. Pequim sabe disso. Daí o prestígio que tem tentado dar à relação.
Lula esteve no Japão e no Vietnã em março, e já avisou que vai pelo menos à Indonésia e à Malásia antes do final do ano. Nenhum desses países vai substituir a China, evidentemente. Mas o sinal está dado.
Como já mostrou o JOTA, colaboradores de Lula já disseram que “não é bom depender da China, como não foi bom depender dos EUA”. Mas a verdade é que continua de olho no que o país tem a oferecer à economia brasileira. E são muitos bilhões de dólares em investimentos.
No seu primeiro dia de viagem a Pequim, Lula falou em cerca de R$ 27 bilhões de investimentos que teriam sido anunciados por empresas chinesas no Brasil, entre eles, US$ 1 bilhão na produção de SAF (combustível renovável para aviação) por meio da Envision Group, e a criação de um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em parceria entre a Windey Technology e a SENAI CIMATEC na área de energia renovável.
“A nossa relação será indestrutível, porque a China precisa do Brasil e o Brasil precisa da China. E nós dois juntos poderemos fazer com que o sul global seja respeitado no mundo, como nunca foi”, afirmou, lembrando, se entrar em detalhes das “incríveis oportunidades” em infraestrutura, como o corredor bioceânico, através de cinco rotas rodoviárias e ferroviárias, no âmbito das sinergias da infraestrutura, um dos eixos da viagem, como mostrou o JOTA na semana passada.
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Do ponto de vista de estabilidade da economia global, claro, um acordo entre chineses e americanos é bom para o Brasil. Reduz incertezas e instabilidade no mercado global. Mas também aumenta o valor do dólar em relação ao real, o que afeta preços.
Tudo isso deverá ser analisado após a conclusão do acordo entre EUA e China. O que há até agora é uma trégua de 90 dias, que pode ser prorrogada, ou não. Mas é preciso saber o resultado final e em que termos se dará o entendimento entre os dois para medir os danos que isso pode causar ao Brasil.