Antecipação de recebíveis de cartões de crédito: aspectos jurídicos e tributários

A antecipação de recebíveis de cartões de crédito tem se consolidado como uma operação estratégica para os lojistas, que buscam melhorar seu fluxo de caixa. Essa modalidade permite que o empresário receba, de forma antecipada, os valores de vendas realizadas com cartão, mediante a cobrança de uma taxa de desconto.

No entanto, essa operação levanta importantes questões jurídicas e tributárias, principalmente quanto à sua caracterização – se como operação de crédito ou prestação de serviço – e, consequentemente, à forma de tributação aplicável, como PIS e Cofins.

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Contexto normativo e regulatório

A análise desta operação deve ser feita à luz das diretrizes emanadas pelo Banco Central e das normas que regem o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). As credenciadoras de cartões, que não se enquadram como instituições financeiras tradicionais, atuam como instituições de pagamento autorizadas e reguladas pelo BC. Dessa forma, é fundamental compreender o arcabouço legal, que inclui desde a Lei 4.595/1964 até a regulamentação específica contida em resoluções e circulares do Banco Central e IN da Receita Federal.

A natureza da operação de antecipação de recebíveis

Na antecipação de recebíveis, a credenciadora antecipa os valores que, em condições normais, seriam recebidos futuramente pelo lojista. Essa operação, formalizada por contrato, estabelece condições como taxas, prazos e garantias. Diferentemente de uma prestação de serviço – que se caracteriza pela obrigação de fazer –, a antecipação envolve uma obrigação de dar, ou seja, a entrega de recursos financeiros imediatos mediante a cobrança de uma taxa de desconto.

A discussão central reside em determinar se essa atividade se caracteriza como uma operação de crédito, típica das instituições financeiras, ou se pode ser realizada por instituições de pagamento, conforme a regulação atual. Segundo as normas vigentes e a interpretação dos tribunais, a operação não é privativa de instituições financeiras e pode ser realizada por credenciadoras que atuam como instituições de pagamento (REsp 910.799/RS).

Receita de prestação de serviços vs. receita financeira

Um ponto importante é diferenciar a receita de prestação de serviços, comum nas administradoras de cartões, da receita originada da antecipação de recebíveis. Enquanto a primeira está associada à intermediação e ao processamento de transações – sujeita a tributações específicas como o ISS – a segunda, por se tratar de uma operação de antecipação, possui natureza financeira e, consequentemente, é tributada por meio das contribuições ao PIS e à Cofins com alíquotas diferenciadas.

As administradoras de cartões de crédito auferem receitas pela prestação de serviços de intermediação e processamento de transações. Essas receitas são obtidas por meio de tarifas cobradas dos lojistas e dos portadores de cartões. Tais serviços são caracterizados por uma obrigação de fazer, consistindo na execução de atividades específicas para facilitar e garantir a realização de transações comerciais entre consumidores e estabelecimentos comerciais, sujeitos ao ISS, conforme a LC 116/2003.

Por outro lado, a receita oriunda da antecipação de recebíveis possui natureza financeira, pois decorre da remuneração pelo adiantamento do capital. Essa diferença tem implicações diretas na tributação, enquanto as receitas de serviços podem sofrer incidência de ISS, além de PIS e Cofins no regime de não cumulatividade, as receitas financeiras são tributadas pelas contribuições com alíquotas reduzidas (0,65% para PIS e 4% para Cofins), conforme o Decreto nº 8.426/2015.[1]

Diferenças entre antecipação de recebíveis e factoring

Embora existam semelhanças entre a antecipação de recebíveis e a atividade de factoring, as operações apresentam distinções fundamentais.

No factoring, regulado pela Lei 9.249/1995 e pela Resolução CMN 2.144/1995, há a cessão definitiva dos direitos creditórios e a prestação de serviços adicionais, como a gestão de cobranças e a assessoria comercial, além da assunção integral dos riscos de inadimplência pelo fator. Já na antecipação de recebíveis, a operação limita-se ao adiantamento dos valores sem a transferência definitiva dos créditos, mantendo, em muitos casos, parte do risco associado à transação.

Essa operação, realizada por credenciadoras, não implica a transferência definitiva dos créditos e se restringe ao adiantamento dos valores a receber, mantendo, muitas vezes, parte do risco relacionado à transação. Assim, não se enquadra como uma prestação de serviços típica do factoring, mas sim como uma operação financeira.

Implicações tributárias

A correta classificação das receitas é crucial para a apuração dos tributos devidos. No caso das receitas financeiras provenientes da antecipação de recebíveis, a legislação prevê alíquotas específicas para o PIS e a Cofins, conforme estabelecido pelo Decreto 8.426/2015. Essa distinção é importante para evitar a aplicação inadequada de tributações que seriam próprias de receitas de prestação de serviços.

Observemos o que estabelecem os dispositivos legais aos quais são submetidas as operações: As receitas de antecipação de recebíveis, por sua natureza financeira, devem ser tributadas segundo as regras do Decreto 8.426/2015, com alíquotas de 0,65% para o PIS e 4% para a Cofins; A utilização dos dispositivos legais mencionados, como a definição contida no art. 17 da Lei 4.595/1964 e o item 15.10 da LC 116/2003, evidencia que não há fundamento para enquadrar essa operação como prestação de serviços.

A decisão do REsp 910.799/RS e a orientação da Súmula 588 do STF corroboram a interpretação de que a operação possui natureza financeira, o que impede a aplicação de tributações destinadas a serviços.

Conclusão

Após uma análise detalhada dos dispositivos legais, das regulamentações do BC e dos entendimentos jurisprudenciais, podemos concluir que; a atividade de antecipação de recebíveis realizada por credenciadoras não é exclusiva das instituições financeiras, podendo ser exercida por instituições de pagamento autorizadas, conforme a definição contida no art. 17 da Lei 4.595/1964; há uma distinção nítida entre a receita oriunda da prestação de serviços das administradoras de cartões e a receita financeira obtida por meio da antecipação dos recebíveis.

A receita proveniente dessa operação possui natureza financeira, conforme evidenciado pelo Decreto 8.426/2015, e não se confunde com a receita de prestação de serviços, que estaria sujeita ao ISS e a outros tratamentos tributários; as distinções entre antecipação de recebíveis e factoring são claras, pois o primeiro não implica a cessão definitiva de créditos nem a prestação de serviços adicionais; as operações de antecipação de recebíveis, por sua natureza financeira, devem ser tributadas conforme as regras aplicáveis às receitas financeiras, evitando-se a equiparação com serviços típicos ou com operações de factoring.

A correta aplicação dos dispositivos legais, juntamente com a orientação do REsp 910.799/RS e da Súmula 588 do STF, confirma que a tributação incidente deve seguir as regras aplicáveis às receitas financeiras.

Essa interpretação não só assegura a segurança jurídica dos envolvidos como também reforça a necessidade de uma análise criteriosa das operações financeiras e dos respectivos tratamentos tributários.


[1] A Súmula 588 do STF também reforça essa distinção, estabelecendo que “o imposto sobre serviços não incide sobre os depósitos, as comissões e taxas de desconto, cobrados pelos estabelecimentos bancários”, reforçando a natureza financeira da operação.

Banco Central do Brasil: Resoluções e circulares que regulamentam o Sistema de Pagamentos Brasileiro.

Lei 4.595/1964 – Art. 17:  Este dispositivo define as instituições financeiras, determinando que “consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.” Essa definição é crucial para diferenciar as instituições financeiras das credenciadoras, que atuam como instituições de pagamento.

Lei Complementar 116/2003 – Item 15.10:  No anexo da LC 116/2003, o item 15.10 descreve os serviços relacionados à “cobrança, recebimentos ou pagamentos em geral, de títulos quaisquer, de contas ou carnês, de câmbio, de tributos e por conta de terceiros”. Embora esse dispositivo trate de diversas prestações de serviços, ele não contempla as operações financeiras que se caracterizam pela antecipação de recebíveis.

Leis 10.637/2002 e 10.833/2003: Tais leis estabelecem a não cumulatividade das contribuições ao PIS e à COFINS, respectivamente, e definem a base de cálculo dessas contribuições, elemento essencial na distinção entre receitas de prestação de serviços e receitas financeiras.

Decreto 8.426/2015: Este decreto regulamenta as alíquotas aplicáveis às receitas financeiras para fins de PIS e COFINS, fixando as alíquotas em 0,65% e 4%, respectivamente, sobre tais receitas. A aplicação deste decreto evidencia que a receita proveniente da antecipação de recebíveis, por sua natureza financeira, deve ser tributada de forma diferenciada.

Instrução Normativa RFB 1.911/2019: Consolidando as regras relativas ao PIS e à COFINS, essa IN reforça a necessidade de adequada classificação das receitas, de modo a refletir a verdadeira natureza econômica da operação.

Súmula 588 do STF: Orienta que o ISS não incide sobre depósitos, comissões e taxas de desconto cobrados por instituições financeiras.

REsp 910.799/RS: Decisão que esclarece a natureza dos juros compensatórios na operação de antecipação de recebíveis.

Lei 9.249/1995 e Resolução CMN 2.144/1995: Regulamentam a atividade de factoring.

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