O jurídico e seus instrumentos de navegação

A primeira vez que viajei de helicóptero foi um presente de um tio para que minha família tivesse uma vista panorâmica de Balneário Camboriú. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos. Fiquei impressionado, mas não com a vista ou com a aeronave em si, e sim com o medo de entrar naquela libélula de alumínio, titânio e ligas de níquel.

A hesitação inicial logo deu lugar à experiência, e o que parecia assustador se revelou muito mais tranquilo do que eu imaginava. Tudo que é desconhecido gera receio, mas também oportunidade de crescimento e aprendizado.

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Recentemente, fiz outra viagem de helicóptero, desta vez a trabalho, de São Paulo a Curitiba. O voo de ida, durante o dia, foi tranquilo. Já a volta, à noite e sob chuva, passando por cima da Serra do Cafezal, trouxe de volta aquele frio na barriga. Mas o que fez a diferença foi o piloto. Experiente, ele não apenas conduzia a aeronave, mas também explicava com paciência cada detalhe do trajeto.

Ele mostrava os instrumentos de navegação, descrevia como desviava de uma formação carregada de cumulonimbus e, em determinado momento, nos apresentou uma escolha: seguir um trajeto mais rápido, mas turbulento, ou fazer um desvio mais longo e seguro, que atrasaria nossa chegada em 15 minutos. Sem hesitação, preferimos a segurança.

Logo depois, o piloto fez uma ligação para outro piloto que já havia passado pelo trecho, confirmando que o caminho estava tranquilo. Seu profissionalismo, comunicação clara e capacidade de antecipar riscos nos fizeram confiar no processo. Sobrevoando o trânsito infindável da cidade em segurança, aterrissamos em São Paulo.

Aquela experiência me fez refletir sobre o papel do advogado corporativo. Assim como o piloto, ele não é o dono da aeronave. Sua função não é decidir o destino, mas garantir que a jornada aconteça da maneira mais segura possível, alertando sobre os riscos e, em alguns casos, até se recusando a seguir viagem quando percebe que as condições são intransitáveis

No ambiente corporativo, a vida humana pode não estar diretamente em jogo como em um voo de helicóptero, mas certamente a reputação e a saúde financeira da empresa estão. Um erro de avaliação, uma decisão mal fundamentada ou uma omissão diante de um risco evidente podem ter consequências irreversíveis.

O jurídico corporativo não pode significar um time meramente técnico ou burocrático, que apenas executa ordens sem questionar a rota. Ele precisa ser o copiloto estratégico da empresa, analisando cenários, antecipando riscos e garantindo que as escolhas sejam feitas com base em informações sólidas.

Muitas vezes, o caminho mais rápido pode parecer tentador, mas é preciso avaliar o custo da turbulência que pode vir junto. Nem sempre insistir em uma estratégia agressiva, em um litígio desnecessário ou em um negócio juridicamente frágil será o melhor trajeto para chegar ao destino desejado.

A comunicação nesse processo é essencial. Um bom jurídico não apenas enxerga os riscos, mas sabe traduzi-los de forma clara para os tomadores de decisão. Falar a linguagem do negócio, construir pontes com as demais áreas e apresentar alternativas viáveis faz toda a diferença. Um piloto que entra em pânico ou se comunica de maneira truncada pode comprometer todo o voo.

Da mesma forma, um advogado corporativo que não transmite segurança, que não domina os instrumentos da sua área ou que não sabe lidar com cenários de crise pode se tornar um fator de insegurança para a empresa.

Navegar em meio a tempestades jurídicas e regulatórias faz parte da rotina de qualquer empresa. Fusões e aquisições, disputas contratuais, reestruturações societárias, mudanças legislativas e crises reputacionais são apenas alguns dos desafios que podem surgir no horizonte. O que diferencia uma boa gestão jurídica não é a ausência de riscos, mas a forma como eles são mapeados e enfrentados.

Se eu pudesse dar um conselho para quem está começando agora, aproveitando essa analogia com o piloto de helicóptero que apresentei neste breve artigo, destacaria três pontos:

  1. Invista no aprimoramento de sua comunicação: busque ser claro, didático e entender sobre comunicação síncrona e assíncrona. Em tempos de mal entendidos, leituras dinâmicas e desconstrução do juridiquês, saber se posicionar com clareza é um trunfo. Lembre como o piloto explicava pacientemente o trajeto e transmitia segurança com sua comunicação clara, confiante e precisa.

  2. Busque o aprimoramento contínuo: talvez o grande erro das pessoas seja achar que são boas o suficiente. Investir em capacitação, buscar ambientes de troca e sempre ir atrás de conhecimento fará você aprender se divertindo e o tornará ainda mais experiente. O piloto não virou um profissional experiente dominando a rota mais segura da noite para o dia – certamente ele tinha muitas horas de voo investidas em treinamento. Estar bem preparado fará toda a diferença quando necessário for tomar uma decisão rápida e sob pressão. O conhecimento amplia a visão sistêmica e será o diferencial para saber quando seguir em frente ou quando segurar os controles e redirecionar a rota.

  3. Troque e não tenha vergonha de perguntar: lembra quando o piloto perguntou outro colega se o caminho estava tranquilo? A mesma coisa é com a gente. A gestão jurídica de excelência perpassa pela troca, por dividir o que se sabe, pela colaboração.

Perceba que estes três tópicos unidos sempre te levarão a tomar uma decisão mais assertiva quando o céu estiver turbulento: comunicação clara, desenvolvimento contínuo e perguntar quando não souber, muitas vezes a resposta está no seu próprio time, por isso nunca despreze a opinião de profissionais mais novos, a diversidade de pontos de vista agrega na construção de um gestor experiente

Assim como no voo, onde a segurança dos passageiros dependia da perícia e da comunicação do piloto, a solidez jurídica de uma empresa depende da capacidade do seu jurídico de enxergar além das nuvens carregadas e guiar a organização por trajetos seguros. O voo pode balançar em alguns momentos, mas com estratégia, experiência e visão de longo prazo, o destino será alcançado com tranquilidade.

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